Teresa Guilherme: “Com a idade só vêm rugas, nada mais”

Produziu e apresentou mais de uma centena de programas na televisão portuguesa, mas é considerada “a rainha dos reality shows”. Um rótulo que a entristece e que considera “injusto e redutor”. Sabe que deu muito dinheiro a ganhar às televisões, mas tem consciência que também ganhou muito. Diz que não é um bicho-papão, mas já conheceu muitos na indústria. “E eles andam aí”, diz a comunicadora que, aos 62 anos, continua a confiar na fé divina mas que construiu a sua carreira com base em muitos acasos. Eis Teresa Guilherme, a mulher que já tem destino a dar ao dinheiro que ganhar no Euromilhões. Azar o dela: não joga.

ENTREVISTA: Nuno Azinheira
IMAGEM: Miguel Carvalho / Palavras Ditas

Acaba de lançar um livro, “Cheguei onde me esperavam”, e já fez saber que não é um livro de memórias. Porquê? Ainda não está na hora de o escrever?
Não, ainda não. Eu gosto de balanços, mas não chegou ainda a altura. Um balanço exige que se fale das coisas boas mas também das coisas más, e não está ainda na altura de falar disso e de algumas pessoas. Este é um livro de histórias da minha vida profissional, de acasos que me foram acontecendo.

Acasos?
Essa é a velha discussão [gargalhada]. Uns acreditam que é tudo por acaso, outros acham que o acaso não tem peso nenhum.

A Teresa está onde nessa discussão?
Eu acredito que se encontrar uma pessoa numa esquina isso tem algum significado. Se aquela pessoa estava naquela esquina isso, não é por acaso.

Há um determinismo na Teresa que é conhecido. O seu caminho está orientado.
Está orientado, mas dá muito trabalho [risos]. Tem dado muito trabalho.

Mesmo que algumas vezes tenha acontecido por acaso…
Sim, mas isso é que é giro. É o que eu conto no livro. Como a minha vida profissional deu saltos grandes por acaso. A história da minha primeira ida para a SIC é fantástica e é talvez a mais imediata. Eu andei meses à procura de falar com o Emídio Rangel, até que me recomendaram que fosse falar com a Carmo Moser, que era diretora de produção na altura. Lá fomos almoçar, num restaurante em Algés, e ela passou todo o almoço a dizer-me que a SIC não estava a contratar, que não valia a pena. E quando eu já tinha desistido, e estávamos a começar a levantar para ir embora, abre-se a porta do restaurante e entra o Rangel. Vem direto à mesa e diz-me: “Teresa, ainda bem que a encontro. Quero tanto que venha trabalhar para nós”. Portanto, foi um acaso.

Mas para uma mulher que acredita num alinhamento determinista da vida não é uma contradição a ocorrência de acasos?
É totalmente uma contradição. Mas eu sou assim, sempre cheia de dúvidas.

E procura sempre respostas para as suas perguntas?
Procuro, o que não quer dizer que encontre. A resposta está lá, até porque eu acredito na intuição e tenho uma belíssima intuição. Já li um livro, de que gostei muito, o “Blink”, que diz que quando piscamos os olhos, a intuição desaparece e é substituída pela razão.

Agora que me diz isso, reparo que a Teresa pisca muito os olhos…
[sorriso] É típico dos caranguejos. Por isso é que me procuro agarrar muito às minhas intuições, aos meus primeiros pensamentos, às sensações.

INTUIÇÃO E MENTIRAS

A sua intuição nunca a enganou?
[pausa] A minha verdadeira intuição nunca me engana. O que acontece é que quando temos uma intuição de que as coisas não vão correr bem, tentamos aldrabar-nos, para nos motivarmos. Nós somos peritos em distrairmo-nos, mas também em mentir.

Mente muito a si própria?
Minto. Todos nós nos mentimos, muito mais do que às outras pessoas. Exatamente para estarmos bem e alegres na vida. Quando eu tenho uma intuição que algo não vai correr bem, tento logo pensar que não tenho qualquer razão para estar a pensar nisso. Ou seja, muitas vezes atrapalho a minha intuição, mas ela é boa. Gera boa energia.

É dessa energia que se alimenta também?
Claro que sim, a minha e a dos outros. Tal como acontece com toda a gente, eu já estive momentos em baixo. E há sempre uma pessoa que nos dá a mão, porque nos retira desse campo do negativismo. Mas esse trabalho tem de partir de nós. Nós podemos ter essa ajuda, mas se não é a nossa energia a puxar-nos para cima, ninguém, sozinho, puxa por nós. Essa fé, porque não é outra coisa, é que me faz acreditar.

Mas essa fé é uma fé divina?
Absolutamente. Eu acredito nisso.

Quando as pessoas dizem: ‘Ai, teve sorte’. Não teve nada sorte. Sorte é proteção divina. Acho que não existe sorte, existe proteção divina. Quando Deus nos põe a mão, nós temos sorte. É uma palavra pequenina para uma coisa grande.

Mas eu também tenho fé nas minhas capacidades. E isso é também uma coisa divina. O destino não vem completamente pronto, mas encaminha-nos muito. Ou às vezes até nos fazem parar [risos].

Como assim?
Olhe, esta história de ter partido o pé, o que me obrigou a estar parada e imobilizada em casa…

… vai dizer-me que foi intervenção divina?
Vou, claro. Isto foi uma forma de Deus me dizer para eu parar um bocadinho e para pensar na minha vida.

Portanto, não foi um acaso. A Teresa não tropeçou num degrau apenas…
Não, não tropecei num degrau apenas. Sim, eu tropecei num degrau, mas a forma e a velocidade com que eu caí foram de uma forma muito estranha. Até porque sempre que eu passava por aquele degrau, eu chamava a atenção das pessoas: ‘cuidado, que está aí esse degrau pequenino, que é uma coisa horrível’. Acabei por ser eu a cair lá. Não é irónico? Não é um sinal?

Para mim, que sou um racional sem fé, foi apenas um tropeção num degrau.
[gargalhada] Para mim, não. As minhas amigas que são ligadas a estas coisas esotéricas disseram-me logo que foi uma mensagem da vida e de Deus para parar e pensar. E eu aproveitei para acabar o livro. Mas, se era uma mensagem da vida e de Deus, podia doer menos um bocadinho. Foi horrível.

Sente que precisava de parar?
[pausa] Para andar para a frente, às vezes é preciso parar e dar um passo atrás. E foi isso que eu fiz. Serviu para me orientar pessoalmente, colocando em dia uma série de coisas da minha vida, que precisava de acertar. Se foi bom para me dar um caminho do ponto de vista de projetos? Não, ainda não, mas alguma coisa há-de se arranjar.

Está parada desde o início do ano na televisão.
Estou, mas estive um ano e meio sem pausas a apresentar reality shows. Sem parar. Fui fazendo umas outras coisas, fui dando aulas, que é uma coisa de que gosto muito para limpar a cabeça, mas estive sempre no ar. Ainda por cima, estamos numa fase em que se investe cada vez menos nos reality shows.

O FIM DOS REALITY SHOWS… OU TALVEZ NÃO

Os portugueses cansaram-se do formato? É um caminho sem retorno?
[pausa] Não, não acho nada. Muito antes pelo contrário. Vejo as reações comigo. O que acho é que se está a dar cada vez menos visibilidade aos reality shows que estão no ar.

E é por isso que anunciou que os reality shows tinham acabado para si? Estava desiludida, desencantada?
[pausa] O que eu disse foi “Nestas condições acabaram os reality shows para mim”. O “nestas condições” desapareceu das citações.

Portanto, não fechou completamente as portas aos reality shows?
[pausa] Eu adoro reality shows, Nuno. São muito viciantes. Gosto daquela festa, daquela batalha, daquela gala de domingo em que acontece tudo, carregada de sentimentos e emoções. Portanto, eu gosto de reality shows. O que não gosto é sentir-me a puxar sozinha por uma carruagem. O que não gosto é sentir que estou a puxar por um programa que as pessoas querem ver todos os dias, para se fidelizarem, e não têm onde ir ver. Eu sei que agora até há no cabo o TVI Reality, mas nem toda a gente acede a esse canal.

Acredita que é possível voltar a fazer reality shows nas outras condições que a motivariam a voltar?
[pausa] Acho que numa altura em que as novelas da TVI e da SIC estão muito equiparadas numa luta ali taco a taco, não me parece que tal seja possível. Não sei se alguém arriscaria a colocar ali um reality show contra a novela da SIC.

O que acha que aconteceria?
[pausa] Não sei. Muito francamente, não sei. Depende dos concorrentes, do tipo de concorrentes.

Isso é assim tão determinante?
É, claro que é. Os concorrentes escolhem-se. Se o objetivo for ter um tipo de concorrentes diferente, mais abrangente…

Mas isso é possível? Deixe-me fazer a pergunta de uma forma clara: é possível fazer, nesta altura do campeonato, um reality show competitivo que não seja “trash TV”?
Claro que sim. Se pensarmos na “Casa dos Segredos 2”, a primeira que eu fiz, havia uma variedade de concorrentes muito grande. Estava lá o Marco, estava lá a Fanny, estava lá a Cátia. São todos diferentes uns dos outros.

Mas há um estereótipo claro para ser um concorrente de reality show, ou não?Depende do que se pretende com esse reality show. Estes nomes que lhe falei não têm nada a ver uns com os outros. Há um grande preconceito em relação aos concorrentes deste tipo de programas. Ainda noutro dia, uma jornalista perguntava-me se eu não achava estranho que o Telmo, que concorreu ao BB1, e que é bombeiro, tenha estado na frente de combate ao incêndio de Pedrógão Grande. E eu fiquei banzada com a pergunta: “Se eu não acho estranho?” [arregala os olhos]. Então se ele é bombeiro. Ainda por cima, o Telmo, um menino de ouro, o meu concorrente preferido de sempre. Casou-se com a Célia, que conheceu no programa, é um excelente pai de família. São um casal fantástico, normalíssimo, que teve agora o seu segundo filho…

Esse preconceito é exclusivo português?
Não é exclusivo, mas nos outros países não é tão pronunciado. No Brasil eles vão no BBB16. E o programa é bem visto como outro qualquer. De lá já saíram atores, apresentadores. Em França e em Espanha, o programa também dura há muitos anos e não é mal visto.

Sente que na sua carreira houve passos que deu e que não devia ter dado?

Ah, sim, sem dúvida alguma.
Há programas que provavelmente
eu não devia ter feito.

Reality shows?
Não, aí não. O que eu sinto nos reality shows é que eu me envolvo muito com os concorrentes. É a minha forma de ser. É como se eu estivesse também dentro da casa, como se eles fossem meus convidados. Não sou de fazer juízos de valor ao caráter das outras pessoas: por isso, o que eu faço naqueles programas é observar o que eles fazem durante a semana, para depois poder ir bem preparada para a gala.

O preconceito não é só para o lado dos concorrentes. Incomoda-a ser apelidada de “rainha dos reality shows”?
Isso a mim entristece-me imenso. Até porque tenho na minha vida não sei quantos êxitos de que as pessoas não se lembram, de programas de que gostei muito de apresentar e de produzir. Há pessoas que já não sabem sequer que eu fui a produtora [enfatiza]. Naquela altura, a concorrência nos programas era só a Endemol. E depois da Fremantle também entrou. Produzi 154 programas, parece que foi, e apresentei seis ou sete. Fiz de tudo um pouco: apresentei programas à tarde, apresentei programas de manhã, à noite. Fiz mil e uma coisas. Mas as pessoas já não se lembram.

Mas entristece-a esse carimbo?
Entristece-me no sentido em que é uma coisa redutora. Se eu não tivesse feito mais nada, isso faria sentido.

ENTRE O AMOR E O ÓDIO

Não há meio-termo em relação a si. É do tipo “ame-a ou deixe-a”. Gostaria de ter sido na sua vida profissional um pouco mais consensual?
[pausa] Eu não sou consensual. Eu, pessoa [risos]. Nunca fui. Sempre tive pessoas que me adoravam e pessoas que não gostavam de mim. Já na escola era assim. Não se esqueça que eu só comecei a apresentar programas aos 35 anos, portanto eu tive uma vida até essa altura [risos]. E não era consensual. Não é a minha forma de ser. Sou muito sincera e o mundo não é das pessoas sinceras.

Sincera no sentido de dizer tudo o que pensa?
Sincera, sim. O que há para dizer digo. Hoje, não sou nem um décimo do que era. A minha mãe tinha muita graça quando me dizia: “Filha, não digas tudo. Ou pelo menos, não digas nada quando não te perguntam” [gargalhada]. Eu devia ter-lhe dado mais ouvidos. Foi uma vida inteira a ouvir a sensata minha mãe a dizer-me isso. Hoje em dia, já não estou para me maçar. Não é por mais nenhum motivo extraordinário. Não tem nada a ver com a idade, nem com a sabedoria…

Mas com a idade não vem essa tal sabedoria?
Não, com a idade só vêm rugas, nada mais… [gargalhada] É verdade que o tempo muda e que nós mudamos com ele, mas não me sinto hoje mais sabedora do que antes. Claro que tenho mais experiência, mas isso não é tudo. Aliás, eu prefiro ter a trabalhar comigo gente dos 20 aos 30 anos do que pessoas da minha idade. São outras ideias: ouço-as sempre com muita atenção. É preciso correr atrás do tempo, acompanharmos a sua evolução. Nunca imaginei ter um programa só no Facebook. Nunca imaginei que 500 mil pessoas vissem “A Casamenteira”. Isso foi uma descoberta.

Surpreende-a este novo mundo?
Surpreende-me e agrada-me. É rápido, tem tudo a ver comigo. Esta forma imediata de comunicar é muito interessante e está a substituir muito do que se fazia em televisão. Repare: os 500 mil espectadores que veem “A Casamenteira” no Facebook são muito mais do que os que veem televisão durante o dia. Isso deve fazer-nos pensar. A nós, comunicadores, mas também às marcas, às agências. Os conteúdos digitais são hoje fundamentais, têm um alcance e uma capacidade de partilha muito grandes.

Esse seu entusiasmo com o digital significa que abandonou o sonho de ter um canal de cabo?
[sorriso] Não, não abandonei. Continua a ser um sonho. Preciso de um investidor para isso, claro, mas tenho a certeza que há público para ver um canal feito por mim. Durante estes anos tenho dado aulas a dezenas e dezenas de miúdos muito talentosos. Há imensa gente nova a aparecer e que não tem oportunidades. O que eu gostava de fazer num canal meu, que tinha de ter um programa-âncora, como tem o da Oprah, era produzir para lançar novas caras.

Mas que tipo de conteúdos teria esse canal?
Olhe, “A Casamenteira” podia ser lá. Alguns dos conteúdos que eu tenho no site Like3ZA poderiam ser exibidos lá. Tudo o que tem a ver com bem-estar, com estilo de vida. Programas sobre Portugal. E programas que resultassem de ideias de gente nova, com youtubers, por exemplo. É preciso é ter ideias novas e descobrir pessoas. Ora, eu passei a minha vida a descobrir pessoas, a perceber o seu potencial e a aproveitar esse potencial. Adoro isso. É por isso que gosto tanto de dar aulas.

Mas sabe que montar um canal é caro. É preciso que apareça mesmo um investidor com dinheiro…
[risos] Sim, sem isso é impossível. Veremos o que o destino reserva.

O que lhe dizem os búzios?
[gargalhada] O canal de cabo aparece sempre. Nos búzios e no mapa astral que eu faço uma vez por ano, aparece sempre. Agora, se se vai concretizar ou não é outra coisa. Agora, que estou num tempo de mudança, isso poderia acontecer. Mas não tem de ser um canal de cabo. Pode ser um programa num canal de cabo. Até é capaz de ser mais estimulante estar numa coisa que está a subir do que numa coisa que está a descer.

E a televisão generalista está a descer…
Sim, claro, por falta de investimento. E porque a população vai envelhecendo, e porque os mais novos veem cada vez menos televisão em linha. E não estou a falar dos miúdos. Mesmo as pessoas com 30 ou 40 anos hoje já consomem televisão de uma forma muito diferente.

OS SONHOS, O OURO… E O BES

Quando olha para trás, consegue ver o que é que a televisão lhe deu?
[pausa] Ah, tudo, tudo. Muita emoção. Muitas pessoas que conheci. Tem sido muito bom. E depois o facto de ser conhecida tem ajudado bastante. Por exemplo, eu já cantei com o Matias Damásio, o que não é para todos [faz um gesto como se puxasse os galões]. Mas sobretudo a televisão deu-me a possibilidade de concretizar sonhos. Criar um programa é um sonho: pensar no orçamento, escolher a equipa, produzi-lo, e depois ver esse sonho concretizado.

Um dos programas que a Teresa produziu foi a novela “Floribella”. E a personagem de Luciana Abreu falava de uma “vida rica em sonhos e pobre em ouro”.
A minha vida tem sido rica em sonhos, de facto [gargalhada].

E rica em ouro, não tem sido?
Sim. Desde que não haja o BES pelo meio [gargalhada].

Também participa nas manifestações dos “lesados do BES”?
No início, quando tudo aconteceu, e ninguém sabia bem para que lado se haveria de virar, eu pertenci a esse grupo. E foi uma altura muito difícil. Havia histórias de cortar o coração. Gente mais velha que perdeu tudo. E ali na associação as pessoas sentiam-se mais amparadas e continuam unidas até agora.

Acha que vai recuperar algum desse dinheiro?

Acho [que vou recuperar os três milhões de euros que perdi no bes]. Tenho a certeza. Não vou recuperar todo, mas vou recuperar algum. Estas coisas demoram sempre muito tempo.

Mesmo sem o BES a televisão deu-lhe um conforto importante.
[pausa] Deu, mas não agora. Houve ali uns quatro, cinco anos dourados em que havia muito dinheiro na televisão. Trabalhei muito, fazia muitos programas como produtora e, sim, nessa altura ganhei muito dinheiro. Também fui saltitando: já estive duas vezes em cada canal. E há uma coisa que eu digo sempre: eu hei de acabar a minha carreira, como apresentadora ou produtora, na SIC.

Porque diz isso?
Não sei [risos]. Não conheço lá ninguém agora. Mas sempre disse isto. Vou acabar a minha carreira na SIC.

Mas porque as suas passagens por Carnaxide foram muito boas ou porque ficou alguma coisa mal resolvida na sua saída…
[sorriso] Esse episódio da saída foi da SIC muito triste. Não me apetece falar disso.

Mas ganhou muito dinheiro na televisão, não pode negar isso.
Não, não nego, mas também é preciso dizer que há uma ideia errada sobre o que as pessoas, a maior parte das pessoas, pelo menos, ganham na televisão. As pessoas confundem Portugal com os Estados Unidos onde, aí sim, faz-se um êxito e fica-se rico. Mas isso é nos Estados Unidos. Mas em Espanha os profissionais já são bem pagos, tal como em França.

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E em Portugal, não?
Não. Como lhe digo, eu não me posso queixar, mas acho que para quem começa, deve ser difícil. Uma coisa é certa: pode-se viver com mais conforto, mas ninguém fica rico com um cachet de apresentador. As pessoas que têm contratos com as televisões estão em situação melhor.

Não é o seu caso.
Não é o meu caso. Nunca fui. Aliás, estou desde janeiro afastada da televisão.

Já tem saudades?
[pausa] Ainda não passou tempo suficiente para eu ter saudades, mas é a minha forma de vida. Se eu não estou a trabalhar, não ganho. Tenho outras formas de ganhar dinheiro (o livro, as aulas, o site…), mas a minha essência está na produção e na apresentação. Portanto, a televisão faz-me falta.

Dizia-me há bocado que a idade só lhe trouxe rugas, não trouxe sabedoria. E tornou-a menos impulsiva? São conhecidas as suas fúrias com as pessoas com quem trabalha…
[gargalhada] Já não me irrito tanto, na verdade. Já não vale a pena. Só vale a pena quando sinto que é uma coisa muito importante. E depois há outra coisa: enquanto apresentadora, a minha relação com os produtores e com a equipa é diferente da minha relação com os outros quando sou eu a produtora. Enquanto patroa, aquelas pessoas eram minhas empregadas e eu queria que elas fizessem o melhor possível. Até que cheguei à conclusão que eu exigia de mais às pessoas.

Como assim?
Eu exigia às pessoas exatamente o que exijo a mim: levar tudo até aos extremos, trabalhar não sei quantas horas por dia, sem limites. Ora, isso é coisa de uma pessoa perfeccionista e nem toda a gente o é. E atenção, eu nem acho que ser perfeccionista seja uma grande qualidade, porque dá uma trabalheira desgraçada. O meu grau de exigência sempre foi muito grande. Alguns dos meus empregados de ontem são chefes de produtoras que estão a trabalhar. Portanto, alguma coisa ensinei [risos].

Mas porquê essa exigência?
Porque eu tenho uma cena com a perfeição [gargalhada]. Sempre foi assim. Persegue-me desde o tempo da escola. Hoje perdi um bocadinho essa angústia. Mas continuo a ter a necessidade de fazer tudo para que as coisas corram bem. Se eu me esforcei tudo, se eu estudei tudo, se eu fiz tudo o que estava ao meu alcance, há de correr. Se não correu, é porque não tinha de correr.

É a melhor no seu género?

Mas há mais alguém no meu género? O meu género sou eu. Sempre disse que era a melhor produtora. E continuo a dizer.
Na apresentação tenho um estilo que mais ninguém tem. O meu é muito marcante. Para o bem e para o mal.

Tem noção que deu muito dinheiro a ganhar às televisões?
[De súbito] Ah sim, tenho, tenho. Isso tenho. Claramente. Fiz muitos êxitos, muitas audiências, se não as pessoas também não me conheciam. E tenho a noção que toda a gente me conhece. Todas as pessoas sabem quem eu sou, todas as pessoas têm uma opinião sobre mim, todas as pessoas sabem que a minha mãe tem os olhos azuis.

Foi devidamente compensada pelo dinheiro que deu a ganhar às televisões?[pausa] Sim. Estou a pensar que claramente agora se ganha menos dinheiro do que se ganhava antes. Como produtora, sim, claramente. Era tudo uma questão de orçamento: ou queria fazer o programa, ou não queria. E como apresentadora, também acho que sim. Nunca trabalhei contrariada por ganhar pouco. Se eu gosto de fazer a coisa, vou fazê-la na mesma. Nunca foi o dinheiro que me motivou. Talvez por essa razão tenho ganhado algum.

Dizia agora que toda a gente tem uma opinião sobre si. Muitos têm uma má opinião. Isso não a incomoda?
Não, as pessoas têm esse direito. Cada um gosta do que gosta. Mas isso acontece com muita gente. Não é só por mim. Mas as redes sociais, e o Facebook em particular, vieram relativizar isso. Agora já não é tão estável assim. Uma pessoa detesta-me mas no dia seguinte já me pode amar. E ama-me três dias e depois, por qualquer razão, passa a odiar-me. Basta qualquer coisa que eu diga ou que faça, que possa parecer mal. Isso hoje é assim com todas as figuras públicas. Olhe o caso do Salvador [Sobral], não é? Uma graçola feita fora do contexto e olhem o que aconteceu. Mas isso não me apoquenta.

Gosta de não ser gostada?
Não, não disse isso. Acho que toda a gente gosta de ser gostada, mas não me apoquenta que haja pessoas que não gostam de mim. Tenho uma teoria que construí para mim [gargalhada]… que é: as pessoas que não gostam de mim são as que não me conhecem.

Acha que surpreende as pessoas, quando a conhecem?
Sem dúvida alguma. As pessoas acham que eu sou outra pessoa. A qualquer sítio que vou, e que vai uma cabeleireira ou um maquilhador novo para me preparar, vão sempre todos a tremer a achar que eu sou… E eu fico calada, não digo nada. É um momento de grande descontração, porque não critico as coisas que não sei fazer. Não sou o bicho-papão que as pessoas pensam.

Mas essa é uma imagem que construiu de si?
Sim, acho que sim. Dava-me imenso gozo que as pessoas tivessem tanto medo de mim. Não tenho dúvida disso.

A ideia do bicho-papão é-me agradável porque, na realidade, eu não sou um bicho-papão. E à medida que as pessoas me vão conhecendo, vão percebendo isso. Eu cheguei a ter 500 empregados. Não se esqueça que já tive uma empresa gigante.

Nesta indústria já se cruzou com algum bicho-papão?
[pausa] Já, já. Com muitos. E estão aí. Não lhe vou dizer nomes, mas eles sabem quem são. E o Nuno também [gargalhada].

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Aos 62 anos, tem paz de espírito?
[pausa] Tenho. Mas acho que sempre tive paz de espírito. Gosto muito de estar sozinha. É a melhor coisa que se pode ter na vida: estarmos acompanhados de nós próprios. Eu vejo as pessoas extremamente dependentes: não vão ao cinema sozinhas, não viajam sozinhas, não fazem nada sozinhas. Tenho amigos que me perguntam: “mas vais para casa sozinha?”. Sim. “Mas vais lá ficar sozinha?” Não, tenho lá os cães [gargalhada]. “Mas não tens lá pessoas”. Não preciso.

Ainda por cima vive num sítio isolado, longe da cidade.
E ainda gosto mais quando está a chover [risos].

Não sente falta de ter alguém?
Mas eu tenho alguém. Estou sempre rodeada de amigos. Adoro ter amigos, adoro sair com amigos. Mas também adoro estar comigo.

É caranguejo. Sente que a sua paz de espírito vem daí também, dessa capacidade de não depender de ninguém?
[pausa] Não faço ideia. Mas é uma coisa minha o tentar ajudar as pessoas e o de tentar manter-me sozinha.

Afetivamente não sente falta de voltar a partilhar o seu espaço, a sua vida?
Não, isso não. Isso é que passa com o tempo [risos].

As paixões duram três meses e depois acabam. Se é para ter um amor, uma relação estável, então há imensas concessões a fazer. É preciso saber se estamos dispostos a fazê-las.

E não está disposta a fazê-las?
Até agora não fui capaz de as fazer. Porque sou autónoma. Porque odeio justificações. Dar e receber, odeio. Detesto.

O PAIXÃO, O AMOR E A SOLIDÃO

Sente-se presa quando tem uma relação?
[pausa] Não… Bem, se calhar, sim. Por isso é que depois me vou embora. Na paixão não se pensa nisso, é tudo maravilhoso. Mas ganhei um horror tal às justificações que não consigo. Mesmo um amigo quando me começa a dizer que não pode ir comigo a um determinado sítio comigo porque “tem isto, tem aquilo”, fico logo gelada [risos]. E aquelas pessoas que telefonam e começam logo por perguntar: “Olá, onde é que estás?” [gargalhada]. Fico doente, acho uma intrusão.

Mesmo quando está sozinha nunca está só?
Não, não. Sou filha única também, portanto isso já vem de muito longe. Adoro ler, adoro ver séries, passear. Gosto de estar comigo, de ouvir música. Há imensas coisas que as pessoas gostam de fazer acompanhadas e que eu gosto de fazer sozinha.

Convive sempre bem consigo?
[pausa] Sim. Às vezes, desiludo-me um bocado. E às vezes, bato-me palmas. Às vezes, não sou capaz de fazer coisas que esperava. Outras vezes, bato-me palmas. “Sim, senhor, olha que corajosa que fui!”

Quando foi a última vez que bateu palmas a si própria?
[pausa] Tem a ver com o meu pé. Imaginar que ia ficar um mês e meio na cama e que iria resistir lúcida era impensável. Se alguém me tivesse dito isto há um tempo eu não acreditava. E afinal, sou capaz de me adaptar às circunstâncias. E nesta fase da vida, saber isso é bom. Sinto-me uma sortuda.

Por falar em sorte nesta fase da sua vida, o que é que seria para si o seu Euromilhões?
Era conseguir o meu canal de cabo. Acho que era aquilo que mais gostava de ter se me saísse o Euromilhões.

Joga?
[gargalhada] Não, nada.

Então sem jogar e integrando o grupo “Lesados do BES”, não me parece que venha a ter sorte…
[gargalhada] Pois não, é capaz de ter razão. É um bom conselho. Vou levar isso em consideração e começar a jogar.

Mas olhe que depois há 20% de imposto de selo que tem pagar ao Estado…
Ai é taxado? Mas o Euromilhões também? Ai meu Deus. Nem falemos de impostos, porque teríamos conversa para mais de 50 horas. Antigamente com a empresa, quando pagava aquela quantidade enorme de impostos pensava sempre que era bom sinal, era sinal que tinha faturado bem. Agora, não. Agora é apenas sinal de que os impostos estão irracionalmente altos. É uma vergonha, é o que eu acho. Mesmo. Só nos falta arrancar o coração. É um exagero. Não sei quanto tempo mais é que as pessoas vão aguentar isto.