Ângelo Rodrigues: “Tive que quase perder a vida para vivê-la uma segunda vez”

Fotografia: Rui Pedro Pereira

Quatro anos depois de quase ter perdido a vida na sequência de uma grave infeção, Ângelo Rodrigues fala pela primeira vez abertamente das dezenas de cirurgias e de como se sente fisicamente.

Quem o vê entrar tranquilamente numa sala do Melia Lisboa Aeroporto quase não relaciona que passaram quatro anos desde a grave infeção de Ângelo Rodrigues, que esteve perto de lhe roubar a vida e o fez submeter-se a dezenas de cirurgias a uma perna, que deixaram marcas e que ainda não acabaram.

A propósito das suas viagens pela Ásia – Nepal (onde deu aulas a monges e encenou uma peça) Camboja e Tailândia – e ainda pelo Alasca, nos Estados Unidos, o ator, que ficou famoso pela participação na série juvenil “Morangos com Açúcar” junta-se aos jornalistas para também promover a série da Netflix “Olhar Indiscreto”.

“O convite surgiu em maio de 2021, no dia em que chegava a casa da minha décima cirurgia, tinha acabado de ser operado de urgência a algo que não tinha ficado bem resolvido”, começa por referir o intérprete à N-TV. “O meu agente brasileiro disse que tinha um casting para mim e que tinha 48 horas para responder através de quatro cenas numa selftape. Estava com uma perna com ligaduras e ligada a uma máquina de vácuo e ainda usava duas muletas. Propus-me fazer uma selftape… sem conseguir andar!”, admite agora Ângelo Rodrigues.

O ator colocou a câmara num local estratégico no quarto de forma a que não se visse que não conseguia andar, mas a última cena previa que caminhasse mesmo. Ângelo Rodrigues baixou as muletas e conseguiu dar dois passos, apoiando-se na cadeira e sentou-se. Cena feita – “com algumas dores” -, conseguiu entregar a selftape, em português do Brasil. A diretora “adorou” o casting, mas faltava a resposta da Netflix.
Problema: a plataforma fez uma “investigação no Google” e “encontrou algumas notícias sobre uma operação”. Queriam saber o estado do ator e pediram para enviar foto da cicatriz e de um vídeo no qual corresse. Ângelo encontrou uma foto com oito meses da cicatriz e ainda um vídeo a correr com imagens de arquivo da SIC, “ao lado de Nélson Évora, a fazer um sprint na praia”. Acabou por ficar com o papel.

Mais tarde, a morte da atriz Maria João Abreu acabou por condicionar, indiretamente, o ator. Ângelo Rodrigues foi ao velório, de muletas. As imagens chegaram à Netflix, que mostrou preocupação, e pediu novo vídeo a dizer que estava tudo bem “e a saltar para confirmar que estava apto”. “Assim o fiz. Larguei as muletas, respirei fundo, dei três altos e disse: ‘está tudo bem’. E foi assim que fiquei com o papel”.

Seguiu-se “um intenso processo de fisioterapia caseira”, até porque “não estava com a autoestima nos píncaros”. “A personagem tinha que emanar poder, segurança, que era tudo o que eu não tinha. Trabalhei mentalmente, como em várias adversidades que tive na vida, foi só mais uma. Agradeço que elas apareçam, porque são um enorme combustível, são certos gatilhos que surgem na vida, descubro força que não sabia que tinha”, garante.

A pergunta “como é que está fisicamente?” acabou por ser inevitável. “Como é que vocês acham que estou?” (risos). “Estou bem. Tenho uma cicatriz de 90 centímetros e é normal que, aqui, algumas regiões não tenham ficado uniformes. Então tenho vindo a tratar a coisa por partes, estou na parte superior da perna, julgo que ainda vou precisar de mais alguma cirurgia. Sim, essa montanha russa vai voltar…”, conta.

Volta, também, a tristeza? “Há uma aceitação, uma resignação, porque não posso mudar essa realidade. Não fico, de todo, triste. É nos picos e vales que encontramos essas boas transformações”.

“Só têm vindo coisas espetaculares: o ano que quase perdi a vida foi o melhor da minha vida. De caras. Tive que quase perder a vida para vivê-la uma segunda vez. Agora com outro olhar…”

Depois de “Olhar Indiscreto”, o intérprete participou ainda no último filme de António da Cunha Telles, “Cherchez La Femme”, que faleceu no final das gravações, na qual desempenha o papel de um aspirante a poeta. “Quero é bom desafios, personagens que me estimulem. Por enquanto não há novelas na calha, não fecho a porta e, se for papel que me tire da região natural de conforto, claro que sim”, diz, à despedida.