Exclusivo N-TV. Clara de Sousa: “Os cargos de chefia nunca me interessaram”

Em entrevista exclusiva à N-TV, Clara de Sousa, âncora da SIC no Jornal da Noite, falou-nos sobre as mulheres em cargos de chefia e a evolução das questões de género no Jornalismo. A liderança da SIC relativamente aos canais concorrentes foi também tema de conversa.

Como é o olhar feminino da Clara de Sousa no Jornalismo?
Não sei como é ter um olhar masculino, apesar de eu ter uma forte componente masculina. Na força, no fazer, no resolver, mas também tenho uma componente bastante emocional. As pessoas valem pelo que são, sejam homens ou mulheres, pelas relações que estabelecem com quem nos vê, neste caso, os pivôs. A confiança, credibilidade e a familiaridade é independente do género. Portanto, esta questão para mim já nem se coloca.

Mas já se colocou?
Sim, já se colocou quando eu era muito jovem. Se calhar exigiriam mais de mim do que de um homem. Um homem mete uma gravata, tem uma voz mais grave. De vez em quando, punha umas gravatas mas não gosto muito. Também tenho uma voz grave, o que ajuda na comunicação.

Transmite uma maior segurança…
Sim. Se bem que essa segurança está cá. E a voz também reflete essa segurança. Mas é uma segurança que vem de muitos anos. Lembro-me que no início achava que já estava bem, e no entanto hoje vejo, e sinto, que ainda não estava suficientemente afirmativa e tranquila. Ainda não tinha essa credibilidade, que acabou por acontecer com as provas mensais e anuais de todos estes anos de exposição e de trabalho. Muito trabalho! As pessoas pensam que nos sentamos ali, pomos uma roupinha jeitosa, maquilhamo-nos e vamos despejar. Não é assim. Há dias em que até pode ser assim, em que temos um noticiário relativamente calmo. Mas por norma temos entrevistas, debates, muito para ler e fazer antes do noticiário. Nós somos jornalistas 24 horas por dia, há sempre muito para fazer.

“Só gosto de ser chefe
de mim própria”

E as mulheres em cargos de chefia serão uma tendência no futuro?
Os cargos de chefia nunca me interessaram. Se calhar, há aqui uma componente de fraco acesso das mulheres porque já há um preconceito em relação ao tempo que elas têm disponível. No meu caso tenho noção de que poderia desempenhar um cargo de chefia porque já tenho muitos anos. Tenho autoridade para isso e capacidade de chefia também. Mas só gosto de ser chefe de mim própria, e eu enquanto chefe de mim própria estou ótima. Organizo-me, faço tudo, eu própria me escravizo.

Portanto, não se vê em funções de chefia. É que cada vez há mais mulheres nas cúpulas das redações…
Também há situações de mulheres que simplesmente preferem estar em cargos de execução, de frente, de responsabilidade, etc. Mas não querem assumir cargos de chefia. Porque não lhes interessa. Preferem executar e não participar na estratégia global. Porque têm a sua vida ou os seus filhos. Há situações de opção, pura e simplesmente. O meu é um caso de opção.

Como foi a mudança de Carnaxide para Paço de Arcos?
Muito boa. É um estúdio mais moderno, a nível de equipamentos. É ótimo. É como quando se muda de casa, é tudo novo. Fora o resto que é o trabalho diário, tudo se mantém. Mas ali, apesar de tudo, estamos a apostar mais em trabalhos de média e longa reportagem, ou de especiais, como o Casos de Polícia no Jornal da Noite, todos os dias à exceção de domingo – aí temos o Marques Mendes.

Portanto, não concorda com os que dizem que há pouca reportagem e investigação no jornalismo de hoje…
Não, não concordo. No caso da SIC, todos os dias temos no Jornal um trabalho mais longo, para além do trabalho normal. O que é bom, porque são trabalhos de investigação SIC, reportagem especial, grande reportagem, casos policiais, são vários. E acho fantástico porque são ganchos, prendem a atenção do espectador e dá-lhes algo que não está naquela “loucura” do dia-a-dia: parlamento, acidentes, reivindicações. São coisas para pôr as pessoas a pensar. Estou muito satisfeita com essa nova dinâmica e com a equipa destas novas reportagens especiais.

Que ajuda tem dado a Informação à liderança de audiências da SIC?
O Jornal da Noite, independentemente agora desta época de liderança, estava em primeiro ou em segundo a seguir à novela. Neste momento continua a ser um programa âncora da estação, muitas vezes em primeiro ou em segundo, dependendo da dinâmica do dia. Mas acima de tudo, estávamos a ser penalizados pelo fraco acesso, tínhamos uma fraca “almofada” antes do jornal e desde que isso mudou, o jornal obviamente beneficiou. Está sempre a crescer e isso para nós é muito bom. Neste momento estamos a ser líderes no frente a frente com os jornais concorrentes.

Há muito que a SIC não apresentava estes resultados.
Sim, é verdade. Houve um volte-face relativamente rápido desde que houve toda esta alteração, do Daniel [Oliveira], da Cristina [Ferreira], etc. Por regra, um só jornal não “puxa a carroça”, um jornal é muito bom para criar a marca da credibilidade a uma estação (e os seus pivôs obviamente também, que são estratégicos a esse nível). Mas há toda uma dinâmica, que a SIC já teve, que perdeu, e que a TVI tinha e que também perdeu Uma dinâmica que começa de manhã e termina à noite. Portanto, não se consegue só ser líder num horário. E estamos a recuperar isso. Já somos líderes há três meses. Fico muito feliz, porque obviamente quero que o meu jornal seja visto pelo maior número de pessoas possível.

“Eu acho que as pessoas não têm de ser felizes na sua vida pessoal só quando há passarinho na costa”

A vida pessoal corre tão bem como a vida profissional?
A vida pessoal também é um bocadinho aquilo que queremos fazer dela. Está a falar de amores e coisas do género? [sorriso]

Sim, estou.
Eu acho que as pessoas não têm de ser felizes na sua vida pessoal só quando há passarinho na costa. Acho isso profundamente ridículo. Tive obviamente momentos complicados na minha vida, seja por morte de pessoas em vida ou mortes reais. Mas a nossa vida não tem de estar condicionada a isso. Até há alturas em que é bom que não haja nada, até porque nós temos de nos empenhar em tantas coisas, que ter alguém só atrapalha. Nós somos felizes com aquilo que somos, com as coisas que fazemos, com o que damos, com o que recebemos. Eu estou super bem a nível pessoal, no sentido em que estou com um projeto novo, que está a correr muito bem, que me ocupa imenso tempo e me dá imenso trabalho. É algo que é quase como um prolongamento de mim, uma outra faceta, mais caseira, mais fora do jornalismo. Porque a Clara de Sousa não é só jornalismo.

Está para vir um novo livro de cozinha?
Eu tenho o site e o livro de cozinha é a última das minhas prioridades. Pode vir, pode não vir, não sei. Acima de tudo, o projeto é muito absorvente. E eu faço-o todo sozinha. Mas como tenho uma capacidade de trabalho um bocadinho invulgar, durmo pouco e trabalho bastante, tenho conseguido manter as coisas muito bem. Fazer vídeos, montar vídeos, tirar fotografias, cozinhar, fazer bricolage, textos, enfim, faço tudo. Mas sai-me do pêlo. E isso deixa-me muito feliz.

Como foi noticiar a estreia do Polígrafo na SIC?
Perfeitamente normal. Isso a mim não me afeta absolutamente nada. Quando estou ali esqueço tudo. Para mim foi uma notícia, que me deixava feliz porque era um programa que eu sentia que já devíamos ter há mais tempo, mas numa perspetiva absolutamente profissional. Não tenho grandes dificuldades nisso. Ali não existe o “tu ou eu”, há um projeto que é válido. Esse projeto obviamente tem a pessoa com quem eu estou, mas quando chega o momento de o anunciar é-me completamente indiferente. Sou muito pragmática nessas coisas. Às vezes até de mais!

[O Polígrafo é um jornal digital de fact checking dirigido pelo jornalista Fernando Esteves, companheiro de Clara de Sousa]

Entrevista: Maria Leonor Gaspar

 

 

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