António Esteves recorreu às redes sociais para homenagear o seu pai que morreu na sequência de uma paragem cardiorrespiratória.
O jornalista da RTP partilhou, no perfil de Facebook, várias fotografias do progenitor e escreveu um texto longo e emotivo, em que recordou o pai.
“Era um homem bom, bonito, muito tímido e reservado, era de uma honestidade e de uma ética à prova de bala, leal, muito profissional e pontual, um trabalhador incansável, orgulhoso, teimoso, humilde e educado. Odiava fotografias, só as tirava por obrigação e depois de muita insistência e tinha só as essenciais com ele. Era um vaidoso não assumido que escondia sempre um pente no bolso, crescia centímetros dentro da farda da instituição que serviu muitos anos e que adorava, era do Sporting mas nunca discutiu futebol”, começou por lembrar.
“Fazia todas as tarefas de casa, menos aspirar, era um cozinheiro fantástico e apreciador de boa comida e boa bebida. Odiava conduzir e tinha uma especial irritação pela ponte 25 de Abril. Odiava praia, mas gostava de ir à Ericeira porque era fresquinho e não havia trânsito. Tinha umas mãos especiais que em tempos fizeram mesas, bancos e cadeiras para os sogros e para os pais e armadilhas para pássaros para os amigos”, prosseguiu.
“Sentia-se especial nos tempos em que andava de braço dado com a minha mãe, que sempre foi uma mulher muito bonita e elegante, brincava muito com os filhos quando eram pequenos e tinha um imenso orgulho neles e nos netos, que via pouco porque morava longe, no exílio que escolheu na terra onde nasceu e morreu. A mesma onde seguia todos os dias, religiosamente, os meus noticiários da tarde. A mesma onde já ia regularmente quando os pais ainda eram vivos para apanhar a azeitona”, acrescentou.
“O meu pai não esteve no meu casamento porque estava muito doente na altura e não queria ser uma distração triste num dia bonito. O meu pai era assim e não esperava ser compreendido. Levantava-se de madrugada para me fazer o pequeno-almoço e o reforço que levava na mochila para o trabalho porque tinha medo de qualquer atraso, nem a minha irritação o demovia mesmo quando tinha acabado de se deitar. Gostava que o filho tivesse sido advogado e zangou-se quando desistiu do curso no terceiro ano de Direito para seguir o sonho de ser jornalista. Habituou-se mas contrariado”, continuou.
“Adorava ver filmes cómicos, de índios e cowboys, râguebi e Fórmula 1. Não gostava de muita algazarra e de convívios barulhentos, adorava caçar e tinha um péssimo gosto para combinar roupa, tarefa que pertenceu à minha mãe enquanto ele trabalhou. Nunca saiu de casa para o emprego sem os sapatos impecavelmente engraxados”, frisou.
O jornalista lembrou os ensinamentos do pai: “Ensinou-me praticamente a primeira classe antes de eu ir para a escola e estudou mais um pouco já em adulto, era inteligente e tinha uma letra linda, tão perfeita e elegante que parecia desenhada em vez de escrita. Recebeu louvores e muitos elogios dos colegas. Adorava a nora e o genro”.
O comunicador recordou também a passagem do progenitor pela guerra:”Esteve na guerra em Angola e veio de lá ferido como quase todos os jovens da idade dele. Não fisicamente, mas na alma. E nos nervos. Que o atormentaram tanto como o paludismo. Nunca quis contar o que viu mas sabemos que preferia nunca ter visto e vivia revoltado por não ter conseguido evitá-lo e não ser capaz de contar. Não sabemos o quê mas foi o suficiente para lhe tirar paz e serenidade. A família sofreu com isso mas o tempo não é de acrescentar mágoas à dor. Andou com o melhor amigo muitos quilómetros às costas já morto para que não fosse mutilado e tivesse um funeral decente”.
“Hoje teve familiares, amigos e vizinhos no funeral dele depois de ter sido traído pelo coração que parou de repente. O nosso nunca vai esquecer o marido, o pai, avô e sogro, que mesmo com os defeitos próprios da frágil condição humana deixa muitas memórias boas. Suficientes para já termos saudades dele. As pessoas só morrem quando deixam de fazer parte das nossas memórias e das nossas conversas. Percebo agora que é a primeira vez que falo aqui do meu pai”, desabafou.
António Esteves deixou um agradecimento a todos que mostraram o seu apoio: “Em nome da minha família, agradeço todas as manifestações de apoio e carinho que nos fizeram chegar ao longo do dia e de todas as formas. Um obrigado especial aos meus familiares e a todas as pessoas que em São Miguel d’Acha nos acompanharam de perto ao longo destas horas dolorosas. Que Deus vos abençoe. Que o meu querido pai descanse em paz, na tranquilidade que tanto apreciava”.