José Cid: “A Eurovisão das lantejoulas, dos saltaricos, dos gritinhos, dos gestos para o ar acabou”

Gonçalo Tavares e José Cid Fotografia: Pedro Rocha/Global Imagens

Em 1968, José Cid participou pela primeira no Festival da Canção. Desse ano em diante pisaria o mesmo palco várias vezes, até que em 1980 o seu tema “Um Grande, Grande Amor” o levou à Eurovisão em Haia, na Holanda. Quase quatro décadas depois, o músico volta ao concurso, como compositor e intérprete e na companhia do sobrinho Gonçalo Tavares.

Em meio século, tudo mudou. E foi no ano passado, com o tema “Amar pelos Dois”, da autoria de Luísa Sobral e interpretado pelo irmão, Salvador, que “o mundo inteiro percebeu que o Festival da Eurovisão das lantejoulas, dos saltaricos, dos gritinhos, dos gestos para o ar e dos braços esticados acabou”. “Acabou com Portugal”, diz José Cid, referindo-se à vitória nacional em 2017 com uma música que nada tem a ver com o certame de outros tempos. “Eu apoiei o Salvador desde a primeira hora. (…) Provámos que é possível escrever uma canção que impressione”, contou, na apresentação à comunicação social, dos intérpretes ao concurso deste ano.

O músico levará ao Festival RTP da Canção, a realizar entre 18 de fevereiro e 4 de março, um tema “perfeitamente enraizado” na cultura musical portuguesa. Será com ele que tentará a sua sorte para integrar o leque de concorrentes na primeira Eurovisão organizada e realizada em Portugal, a 8 e 12 de maio em Lisboa. “Pensei que a haver uma música para levar à Eurovisão, teria de ter a ver com a música portuguesa”, explicou Cid.

“O Som da Guitarra é a Alma de Um Povo”, assim se chama a canção que compôs e que interpretará ao lado de Gonçalo Tavares, seu sobrinho e também cantor, é “poética e musicalmente um tema completamente nosso”. “No dia em que o cantar, as pessoas entenderão que deixou de ser meu porque tem a ver com a nossa história, com a nossa tradição, com as nossas memórias e, paralelamente, com o nosso futuro”, adiantou ainda.

José Cid, um dos convidados pela estação pública de TV para compor uma música para o Festival da Canção, elegeu-se a si mesmo e a Gonçalo Tavares para intérpretes. “Convidei o meu sobrinho porque não queria vir sozinho. A não ser para o meu sobrinho, que tem uma voz extraordinária, eu não abria mão da minha canção para ninguém.

“Peço desculpa, não é falta de credibilidade. É uma questão de amar a canção que escrevi. Não a daria a ninguém porque gosto tanto dela que tem de ser minha”.
José Cid

O músico, de 75 anos, confessa que “O Som da Guitarra é a Alma de Um Povo” é uma música “diametralmente oposta” a “Amar pelos Dois” de Salvador Sobral. “É uma homenagem aos poetas, aos fadistas, aos cantores, aos músicos, aos intelectuais, ao povo português, às pessoas que morrem no mar, que trabalham uma vida inteira nas margens do rio e não têm o apoio do sistema”, repara.

Já Gonçalo Tavares, que com esta assinala a sua terceira participação no concurso (a primeira foi em 2010 e a segunda em 2015), admite que volta ao Festival “depois do que aconteceu com o Salvador, é um desafio muito grande”. Ainda assim, quer apenas cantar com o tio “uma canção” que, reforça, “não é festivaleira”.

Se gostava de vencer e representar o país no certame europeu? “Claro, mas isso não pesa. Em termos de interpretação, não seria bom. Foi isso também que, uns mais do que outros, aprendemos com o Salvador”, termina.

TEXTO: Ana Filipe Silveira