Judite Sousa: “Nunca precisei do cargo para ser aquilo que sou”

TEXTO: Nuno Azinheira

Assume que 2013 foi um ano difícil, mas não foi o seu annus horribilis. Pela primeira vez fala de tudo: do caso Ana Leal, do delicado processo de divórcio, das críticas na redação da TVI, da sua forma de mandar, das relações com José Alberto Carvalho, da informação pela qual dá a cara. Uma entrevista única. Sem travões.

Liderança à hora de almoço e do jantar, uma TVI24 em subida contínua, quando há dois anos era dada como morta. O que é que faltava à TVI?

Acrescentar outros conteúdos, outra credibilidade, outros rostos, e não estou apenas a falar de rostos ao nível da apresentação de informação, mas também em alargar o painel de comentadores, embrulhar tudo isto numa estética de imagem diferente, numa comunicação porventura também ela diferente, procurando com isso conseguir acrescentar públicos aos públicos que existiam, sem que os públicos que existiam tivessem desertado.

Esse é, provavelmente, o maior desafio, já que quando se muda muito ganham-se novos públicos mas corre-se o risco de perder os antigos.

E muitas vezes entre o que se acrescenta e o que desaparece pode prevalecer a fuga. Neste caso, os factos e os números, porque é de audiências que estamos a falar, vieram mostrar que foi possível fazer esta quadratura do círculo sem que os públicos que existiam, e que eram fidelíssimos, fugissem. E vieram outros.

Acha que há no Jornal das 8 espectadores do Jornal Nacional?

Acho que sim.

O perfil da informação feita em ambos é completamente diferente.

[Pausa] É e não é. Claramente que a minha resposta é sim, há públicos do Jornal Nacional que permaneceram. Só se consegue ser líder quando se vai buscar o maior denominador comum.

Qual é o denominador comum entre dois perfis de informação tão diferentes?

Foi termos sido capazes de simultaneamente consolidar as hard news e fazer conteúdos de uma linha social forte, muito apelativos, que vão ao encontro daquilo que as pessoas querem ver na informação. Hoje as pessoas já não querem ver apenas a política, a economia, as finanças, o desporto e o internacional. Acho que as pessoas destinam apenas 30 minutos de um jornal, e estamos a falar de um jornal de 90 minutos com 12 de intervalo…

O resto não é excesso? Se esses 30 minutos são essenciais para contar o que se passa no País, o resto não é uma forma de manter em antena um produto que é apelativo do ponto de vista das audiências?

Não. As tendências modernas da informação, pelo menos na Europa porque nos EUA já são antigas, vão no sentido de haver muita reportagem e muita história de vida, muitos casos humanos nos jornais. Lembro-me de aqui há 15 anos a CBS estar a perder a liderança com o seu jornal das seis e meia da tarde para a ABC e os decisores editoriais decidiram que nos meses seguintes iriam investir em sexo e em dinheiro. Esta corrente, esta grelha de análise, pode ser nova para os portugueses ou para alguns europeus, mas não é nova num país tão competitivo como os EUA. Não tenho qualquer tipo de preconceito a relação a isso. Aliás, os jornais aos quais dou a cara e que são jornais de fim de semana, sobretudo o de sábado que tem mais o modelo que representa esta tese, é objetivamente um jornal de 90 minutos em que invisto fortemente em conteúdos da vida real.

Ainda há três semanas passaram duas reportagens, uma em Lisboa e outra no Porto, sobre as ruas mais pequenas do País. Este é um conteúdo de jornal televisivo?

Acho que sim. São curiosidades que alimentam o nosso conhecimento. Até ver essas reportagens no ar, não sabia quais eram as ruas mais pequenas dessas cidades. São reportagens que enriquecem o nosso know how.

Numa televisão privada?

E numa pública também.

A RTP poderia tê-la feito?

A RTP faz reportagens bem mais agressivas do ponto de vista social de há um, dois ou três meses a esta parte. Por isso é que o Telejornal está a subir, porque a linha editorial deixou de estar tão focada nos conteúdos da política e da economia, como fazia até há bem pouco tempo, e com a mudança de equipa e de linha editorial passou a investir mais em temas sociais.

A palavra é perigosa e escorregadia, mas pode dizer-se que se “tabloidizou”?

Não. Tabloide é uma coisa completamente distinta. Tabloide é informação social gratuita, que não acrescenta nada. Distrai e entretém, mas não acrescenta valor em termos informativos. Uma reportagem sobre uma rua mais pequena, com tudo aquilo que está subjacente a uma rua – que são afetos, são pessoas -, é uma história que ali está. Pode ser uma história milenar ou centenária e isto não tem nada de tabloide. O meu ponto é este e deste ponto não saio.

Como sabe, há uma visão mais conservadora do jornalismo…

Quem pensa um jornal apenas em função das hard news ou um programa de entrevistas apenas em função dos ministros, dos líderes partidários, dos grandes empresários ou dos senhores da troika, enfim… não é por aí que se consegue rasgar e afirmar uma liderança.

Lembro-me de levar Tony Carreira à Grande Entrevista da RTP…

[Interrompe] Levava toda a gente. Quando disse que ia entrevistar Mário Jardel soltaram-se os cães [risos]. Foi há muitos anos mesmo e foi arriscado. Fui muito criticada. Diziam-me “é um jogador de futebol, não sabe falar, vais fazer uma entrevista de uma hora?” Lembro-me de ter ouvido várias opiniões a este respeito e fui ao Porto fazer a entrevista e correu lindamente. Foi bastante interessante. Mas arrisquei muito na Grande Entrevista. Entrevistava atores, cantores… entrevistei várias vezes o Tony Carreira. Quando falei nele pela primeira vez também me disseram que ia entrevistar um cantor pimba.

Mas tem sido criticada mais desde que mudou para a TVI. A Judite Sousa que está neste canal é a mesma da RTP, apenas com mais três anos em cima?

Não, não sou. Claro que não sou a mesma pessoa e seria muito triste se assim fosse. Significaria que não teria sabido adaptar-me a uma nova realidade empresarial, a uma nova realidade televisiva, que não saberia fazer as leituras corretas em função das novas coordenadas, que não estaria disposta a evoluir e a mudar.

Exige de si esse desafio?

Sempre.

É muito competitiva consigo mesma?

O mais possível.

E insegura.

Sou insegura naquilo que a insegurança tem de motivante para eu não estar sempre no mesmo sítio.

Essa pressão, essa obrigação de se colocar à prova permanentemente, não faz tremer as bases da insegurança? A pressão constante em si não aumenta o risco a uma pessoa que é por tendência insegura?

[Pausa] Não. Coloco essa pressão sobre mim com consciência de que preciso de o fazer para não cair na rotina, não me tornar igual ao que já é igual, e para continuar a poder colocar fichas em cima da mesa. Já não sou uma criança e se olharmos para quem está no prime time televisivo ao nível da informação vemos que sou uma veterana. Isso só é possível em razão da pressão que coloco sobre mim própria, senão já estava com as pantufas calçadas. Se não colocar essa pressão, eu estagno, não evoluo, e não quero estagnar, não quero morrer. Quero continuar a trabalhar, pelo menos mais 15 anos, e daqui a 15 anos poder estar e dizer que estou ainda com um nível de raciocínio, de leitura de televisão, de saber fazer televisão.

Daqui a 15 anos terá 60 e muitos…

Esses mesmos [risos]. E estarei no cabo.

É aí que se vê?

É. Provavelmente só estarei no cabo.

Mas vê-se a fazer televisão?

Vejo.

Portanto, não vai ter medo nenhum de envelhecer em televisão?

Nenhum. Quer dizer… não vou ter medo no sentido em que não irei pensar que já não tenho mais nada para fazer. Acho que poderei ter algo para fazer em termos televisivos. Não irei ter para fazer o que faço hoje e encaro isso com toda a naturalidade. Portanto, daqui a 15 anos não estarei à frente das notícias das 20.00 num canal aberto, mas provavelmente estarei a fazer mais programas no cabo do que aqueles que hoje faço. Eu quis entrar no cabo há três anos por isso mesmo, e acho que fui a primeira jornalista que, estando em sinal aberto, quis dar esse passo. Julgo que fui a primeira. Tive consciência de que o presente e o futuro passam pelo cabo.

Vê-se em televisão, mas sem medo que as rugas sejam ruído?

Essa é uma visão conservadora. Não é a visão dos norte-americanos, por exemplo. Os americanos não colocam ninguém no prime time televisivo se não tiver mais de 60 anos. Têm todos 70 e 80. E só saem da televisão aos 80 e muitos para voltar seis meses depois. Foi o caso do Larry King, que saiu da CNN e voltou para um outro canal. Isto também tem que ver com o facto de ser muito difícil a uma pessoa sair do ecrã. O ecrã gera adição.

Isso acontece consigo? É adicta?

Todos somos adictos e não acredito que haja alguém que diga que não é. Faz parte do ADN da televisão gerar adição. O que acho importante não é sermos adictos, mas termos a noção de que somos e como é que vamos resolver, no futuro, o problema.

É possível conviver com essa adição quando as luzes se apagarem?

Claro. Se tivermos noção das coisas, se as soubermos racionalizar, que é esse exercício que faço e que estou agora a verbalizar consigo. É preciso pensar as coisas de uma forma objetiva e estudada e preparar o futuro.

É assim sempre tão racional na gestão da sua vida?

Profissionalmente sou. Na minha vida íntima, na minha vida pessoal, sou um desastre em termos de racionalidade.

Quem a conhece e quem trabalha ou já trabalhou consigo, e entre as pessoas que gostam de si, dizem que é obstinada, muito profissional, às vezes obsessiva na forma como encara o trabalho e como exige dos outros.

É verdade.

E dizem também que, às vezes, por causa disso, chega a ser insuportável.

É tudo verdade. Eu sou assim.

É a mulher que grita na redação?

Já gritei mais do que o que grito agora. Só em situações limite [pausa]. Não acho que isso seja um defeito. O Steve Jobs também gritava muito na Apple e, no entanto, foi o Steve Jobs e a Apple é o que é.

O epíteto “generala” não é normalmente atribuído a si, mas bem podia ser [risos].

Pois… Bem podia ser, mas eu não costumo dar a mim própria epítetos dessa natureza [risos], é preciso que sejam os outros a dar.

Mas revê-se nele?

Ah… sim! Sabe que eu entendo que o poder é para ser exercido.

Sem medo?

Sem medo. Estou numa fase na minha vida em que só tenho medo de uma coisa: a morte. Não tenho medo de mais nada, porque já me aconteceu… de tudo. Quando chegamos a uma fase da vida em que já nos aconteceu de tudo, a nível pessoal e profissional, e quando estamos numa fase em que temos mais trinta anos para viver, se não fumarmos muito e tivermos cuidado com o nosso coração, só temos medo da morte. É nesta fase em que eu me encontro, portanto não vou renunciar às minhas condições, aos meus princípios, àquilo em que verdadeiramente acredito, para agradar a A, B ou C. Eu já me permito agradar só a mim própria. Estou numa fase da vida em que a única coisa que pretendo é agradar-me a mim mesma.

Isso é mesmo discurso de “generala”…

Sabe que estive tantos anos a não pensar em mim, nomeadamente a nível pessoal, e a pensar mais nos outros, ou a pensar na forma como os outros me viam num determinado registo.

Sempre se preocupou muito com isso?

Sempre.

Foi um exagero da sua parte viver em função daquilo que os outros pensavam de si?

Não é que as opiniões alheias tenham influenciado ou influenciem o meu caminho. De forma alguma. Se fosse por aí, em algumas alturas teria deixado cair os braços e isso nunca aconteceu porque tenho um forte instinto de sobrevivência. Em termos de instinto sou um bocadinho pré-histórica.

É feroz nessa defesa das suas convicções?

Sou. Quando acredito em alguma coisa, dificilmente cedo.

Só me falta dizer que é um “rottweiler das notícias”…

[De pronto] Não, não! Não sou. Até porque essa expressão foi utilizada em outro contexto de notícias, que não necessariamente aquelas que eu faço, que eu gosto de fazer, ou as notícias pelas quais gosto de dar a cara.

Mas é capaz de ouvir ou é tipo eucalipto, que seca tudo à volta?

Há pessoas que dizem que não tenho capacidade para ouvir, mas tenho. Só que quando é preciso decidir, e se eu tiver de o fazer contra a maioria das opiniões, decido.

Mais vale decidir mal do que não decidir sequer?

Claro. E volto ao que lhe dizia há pouco: o poder existe para ser exercido. Isto tanto é válido na política, nas empresas, no jornalismo ou na liderança de uma redação. Não abro mão deste princípio, doa a quem doer.

Tem doído bastante à redação da TVI.

É possível, mas os resultados falam por si. Se eu tivesse um estilo de liderança que não fosse apoiado, que não fosse sufragado pelos públicos, aí teria de dizer aquilo que o Papa Francisco aconselha todos os dias às pessoas a dizerem umas às outras: desculpem, peço perdão. Acontece que o caminho que percorro ao fim de três anos tem resultados positivos.

Portanto, não pede desculpa com frequência, é isso?

Peço quando é preciso. Peço muitas vezes, umas pessoalmente, outras por SMS ou por e-mail.

Já houve necessidade de pedir desculpa na TVI?

Já, já. Isso não tem problema nenhum. Eu passo para o exterior uma imagem dura, mas simultaneamente, no meu espaço mais íntimo e mais próximo, sou muito fácil de levar [gargalhada].

Independentemente da competência profissional que lhe reconhecem, sente-se bem querida na redação da TVI?

Fifty, fifty. Acho que é metade, metade.

Pelas pessoas que esperava que estivessem de um lado e pelas pessoas que esperava que estivessem do outro ou houve surpresas boas e surpresas más? Ou não tinha nenhuma expectativa?

Tinha zero expectativas.

Mas calculava que, em março de 2011, quando recebeu o convite para ir para a TVI, que iria ter alguns anticorpos? Ia suceder a anos e anos de direções marcantes?

Claro que esperava. Pois se eu tinha sido diabolizada naquela redação, não haveria de esperar?

Tinha sido diabolizada?

É o que me dizem. Foi um colega meu, aqui há tempos, que a falarmos circunstancialmente sobre o ambiente na TVI me disse. Porque é que acha que algumas pessoas se relacionam comigo de uma determinada forma? Eu fui diabolizada durante anos, é natural.

Ainda é?

Se calhar ainda sou. Por algumas sim, com certeza que serei. Mas eu percebo isso. É difícil para algumas pessoas fazerem o turningpoint.

Há duas semanas, Rosa Cullell dizia à Notícias TV que há quintinhas em todas as redações. Na da TVI também?

Claro, como há em todas as outras redações de televisão e de jornais. Em televisão é muito mais amplificada.

Falando claramente, há na redação da TVI uma quintinha pró-Judite Sousa e uma quintinha pró-Manuela Moura Guedes?

Acho que neste momento já não. Passaram três anos.

Esse fiftyfifty de que falava não tem que ver com isso?

Nem pense nisso. Tem que ver com o facto de haver pessoas que gostam, que apreciam e reconhecem a minha forma de estar e de trabalhar, e que percebem a mulher, o ser humano, que está por detrás da profissional com quem se cruzam todos os dias nos corredores. OK? Há a profissional e há o ser humano e nem sempre estas duas figuras coincidem.

Isso significa que…

… significa que aqueles que – e para usar a sua expressão, sendo certo de que não gosto dela – estão do meu lado são pessoas que me olham em função destes parâmetros. Sabem que sou a primeira a dar o exemplo em termos de trabalho, sabem que se for para fazer eu faço, sabem que quando estou a fazer um pedido sei como é que se executa o que estou a pedir. Sabem que há a Judite e há a Judite Sousa. Esses são os meus 50 por cento. Os outros 50 são aqueles que saberão muitas destas coisas que acabei de lhe dizer, mas que pura e simplesmente não gostam de mim. Estão no direito deles. Eu também não gosto de muita gente, também me permito não gostar de muitas pessoas.

Isso não é um problema?

Não.

Não é um problema na gestão de uma redação?

Poderia ser se eu fosse diretora de Informação. Eu sou só diretora adjunta.

Faz diferença?

Claro que sim. Na redação da TVI há três diretores adjuntos.

Seguramente que a Judite é mais marcante do que Mário Moura e Maria José Nunes.

Não necessariamente. O Mário Moura está há muitos anos na TVI e a Maria José é uma pessoa que tem funções num âmbito distinto do meu.

Certo, mas nem um nem outro são a Judite Sousa, com tudo o que isso comporta em termos de imagem pública.

Mas a Judite Sousa é o que é não por ser a diretora adjunta de Informação da TVI. A Judite Sousa é o que é pela jornalista que é, não pelo cargo que tem. Nunca precisei do cargo para ser aquilo que sou. Basicamente, as minhas responsabilidades na redação da TVI são muito fáceis de definir e, contrariamente ao que se pensa, o meu nível de responsabilidade esgota-se praticamente na gestão dos jornais de sexta-feira, sábado e domingo. Em relação ao sábado e domingo, posso dizer que trabalho há cerca de dois anos com a Maria João Figueiredo na coordenação dos jornais, e que nesses dias tenho cinco ou seis pessoas na redação da TVI, não tenho nem 50 nem 80. São cinco ou seis pessoas. Ouça, é um sossego. É Deus no céu e eu na Terra. O meu nível de responsabilidade direto, na relação direta com as pessoas, restringe-se praticamente a esses três dias.

É pouco?

Não. É o que é. Portanto, tudo aquilo que se pode dizer sobre mim é efabulação. Repare: à segunda-feira vou à TVI fazer o programa com o Medina Carreira. Normalmente chego por volta das seis, sete da tarde, vou à maquilhadora, vou arranjar o cabelo, preparo o programa, vejo os jornais das 20.00, preparo o programa e faço-o pelas 21.30. À terça e quarta-feira estou de folga. À quinta-feira, muitas vezes não vou à empresa porque como estou há dois anos a trabalhar consecutivamente ao sábado e domingo, tirando exceções, de certa forma a empresa recompensa-me permitindo-me que eu desfrute de algumas quinta-feiras. Isto significa que o meu encontro com a redação da TVI é à sexta, sábado e domingo. Portanto, tudo o que se possa dizer fora deste contexto é do domínio da efabulação. Essa coisa do faz e do acontece é estranha. Se eu não estou, como é que acontece? Onde é que está aqui a teoria do choque civilizacional? Não há choque nenhum.

Portanto, continua a ser diabolizada na redação?

Não sei. É você que está a dizê-lo. Lá saberá por que o diz [risos].

Trabalha hoje menos do que trabalhava na RTP?

Não. Mesmo quando estou de folga estou sempre a mandar e-mails para os meus colegas e a pedir reportagens.

Afinal continua a ter contacto durante esses dias da semana [risos].

Não é um contacto presencial.

Podem dizer-se coisas horríveis por e-mail.

[Risos] Por e-mail, só peço reportagens. Tenho um registo de trabalho que passa por estar em casa a ver jornais, a consultar a internet, a ler revistas internacionais, a imprensa espanhola como o El Mundo e o El País – onde me inspiro muito – e vejo um tema ou surge-me uma ideia para uma reportagem e mando logo um e-mail para os editores a dizer “vamos fazer isto para o próximo fim de semana”. Por isso é que chego ao sábado com conteúdos que o espectador percebe que não foram feitos no próprio dia. São coisas que foram feitas com uma ou duas semanas de antecedência. Na semana passada tive uma reportagem sobre casais com uma grande diferença de idades e fui eu que a pedi duas semanas antes. Mesmo estando nas minhas folgas e não estando na empresa, estou muitas vezes conectada com os conteúdos.

Mas hoje é mais criticada na TVI do que era na RTP. Até uma simples mudança de penteado é comentada e não era…

Por acaso há muito tempo que não mudo [risos]. Olhe, vou-lhe dizer: o cabelo está praticamente do mesmo tamanho e a cor é a mesma.

Mas hoje é mais arrojada nas cores que seleciona.

Não é verdade.

É um mito urbano?

Eu sou vestida pela Tara Jarmon há dez anos! É a mesma roupinha. São os mesmos laranjas e os mesmos padrões. O que acontece é que as pessoas passaram a olhar-me de forma diferente. E eu, de facto, sou diferente porque deixei de trabalhar no serviço público de televisão e estou a trabalhar numa realidade empresarial distinta, com um enquadramento completamente distinto e seria, no mínimo, burrinha se não percebesse que tinha de fazer alguns ajustamentos para me enquadrar nesta nova realidade empresarial e ir ao encontro das expectativas que em mim depositaram.

Em termos estruturais, a que ajustamentos é que isso a obrigou?

Obrigou-me a reencontrar-me como apresentadora de jornais televisivos, coisa que não fazia há seis anos na RTP. E é por isso que acho que as pessoas me olham de uma forma diferente. Durante 12 anos era o rosto da Grande Entrevista, as pessoas viam-me às quintas-feiras às nove da noite. Eu mudei para a TVI e as pessoas passaram a ver-me praticamente todos os dias, por isso é natural que reparem mais no cabelo, no penteado, na roupa, nos sapatos. Agora apareço de corpo inteiro e reparam se estou com saia curta ou não, se tenho ou não botas acima do joelho. É tudo muito explicável. As pessoas passaram a olhar-me de forma diferente porque passaram a ver-me mais e isso desperta o seu sentido de observação, o seu sentido crítico.

A sua inveja?

Não dou importância a isso. Olhe, o que eu consegui na vida já ninguém me tira e o que estou para conseguir ainda também ninguém me vai tirar porque ainda não foi conseguido.

Normalmente, quando há transferências entre canais, há também uma penalização. Os portugueses sentiram que a Judite os traiu por trocar a RTP pela TVI?

É verdade que há essa penalização, mas acho que os portugueses não se sentiram traídos. Os portugueses não me castigaram por ter deixado a RTP para ir para a TVI. Ele sabem que eu não os traí.

Sente que tem o seu público? Júlia Pinheiro, quando saiu da TVI para a SIC, disse, também numa entrevista que deu à nossa revista, que ninguém tem o seu público.

E eu concordo inteiramente. Em televisão não se pode dizer isso. É de uma presunção muito grande alguém dizer que tem um público.

Não é líquido esperar que as pessoas que a viam à quinta-feira na RTP a vejam hoje na TVI?

Talvez, mas isso é muito subjetivo. A perceção que temos de nós próprios e do nosso trabalho não corresponde, nesta exata medida, ao que o público vê.

Mas na TVI a Judite não faz coisas assim tão diferentes.

Faço, faço! Eu não fazia um jornal há seis anos.

Acha que as pessoas têm essa perceção?

Mas acha que as pessoas não sabem quem são os pivôs das oito da noite?

Claro que sabem, mas…

[Interrompe] Acho que está muito enganado. Até há muitos poucos anos, para o público, havia três pivôs em Portugal: José Rodrigues dos Santos, José Alberto Carvalho e Rodrigo Guedes de Carvalho. Ponha-se no lugar do cidadão comum e faça esta sondagem. Pergunte quem são os pivôs das 20.00. A missa televisiva, para utilizar uma expressão da sociologia da comunicação francesa, que é o jornal das 20.00, sempre foi muito marcante. Eu não fui contratada para apresentar o jornal da TVI. Estou a desempenhar funções para as quais não fui contratada. Num primeiro momento, isto nunca esteve em cima da mesa quando falei com o José Alberto Carvalho. Ia para a TVI levar os meus conhecimentos e a minha agenda no que diz respeito a todas as pessoas que tinha na minha carteira de entrevistados. Basicamente, era esse o meu valor contratual, coisa que de resto me encarreguei de concretizar rapidamente para não frustrar expetactivas de ninguém… a começar pelas minhas próprias.

Se não foi contratada para estar em antena, em que altura e porque é que decidiram que também tinha de lá estar?

Aconteceu à medida que o tempo foi passando e que nos fomos apercebendo de que não havia condições, nem objetivas nem subjetivas, para entrevistas de 30 minutos no jornal da TVI, que era e é um jornal que tem de ser moldado em função das expetactivas que a empresa tem em relação à performance daquele produto. Daí até se perceber que eu iria também apresentar aquele jornal foi um passo. Mas eu já não o fazia há seis anos, desde que na RTP foi contratado o João Adelino Faria e eu fiquei exclusivamente com a Grande Entrevista e com o programa de análise de António Vitorino. Respondendo à pergunta: eu só tenho de estar muito agradecida aos espectadores, porque até agora estes nunca me falharam.

É inevitável: como é que são as suas relações com José Alberto Carvalho?

São boas, como não poderia deixar de ser. São boas a nível pessoal e profissional. Cada qual nas suas funções e com o respeito que tem de existir pelas funções e responsabilidades de cada um de nós. A nível pessoal conhecemo-nos desde o tempo do Monte da Virgem. Estivemos afastados durante uma série de anos, e reencontrámo-nos quando ele foi para a RTP com Emídio Rangel, era eu diretora adjunta de Informação de José Rodrigues dos Santos. Na qualidade de diretora adjunta de Informação de José Alberto Carvalho, tivemos uma relação creio que excelente, e julgo que ele dirá o mesmo. Sempre procurei criar as condições para que ele se sentisse confortável como pivô do Telejornal, não tendo responsabilidades editoriais, o que nem sempre é fácil de conseguir numa redação televisiva. Depois, houve um período conturbado, o Luís Marinho chega a diretor de Informação, o José Alberto é diretor adjunto de Informação, e eu sou uma jornalista responsável pela Grande Entrevista e fui sempre tratada com todo o respeito e confiança pela direção. Mais tarde, o José Alberto sobe a diretor e reafirma o convite que já me tinha sido feito pelo Luís Marinho para ser diretora adjunta. Mais tarde, ele foi convidado para vir para a TVI, eu também fui convidada, e assim temos estado.

Foi convidada para ir para a TVI por José Alberto Carvalho como adjunta dele ou pela administração da TVI?

Fui convidada em simultâneo pelo José Alberto e pelo Bernardo Bairrão. Está a perguntar quem é que me convidou primeiro?

Sim, para saber se no momento em que foi convidada pela administração alimentou a possibilidade de ser diretora de Informação.

De forma alguma.

Ficou sempre claro que não seria?

Claríssimo. Obviamente que a primeira pessoa a ser contactada terá sido o José Alberto como diretor de Informação e, numa fase posterior, eu fui contactada pelo Bernardo Bairrão. Falava com o José Alberto com total abertura e transparência sobre esta possibilidade de transferência que estava em cima da mesa. Era claríssimo que o José Alberto iria para a TVI como diretor de Informação e eu e a Maria José Nunes como diretoras adjuntas.

Sabe que há muito que se diz, e que se escreve, que as suas relações com José Alberto Carvalho não são boas.

As minhas com ele?

Sim. Há quem me diga, aliás, que a vossa relação é fria, distante e muito tensa…

Pois… tem de perceber que esse tipo de conjeturas têm de ser analisadas à luz de um determinado contexto. Não pode separar o rumor ou a especulação do seu contexto. Quando esse rumor surgiu, era num contexto de maldadezinha.

Era minar? Eram os tais fifty que não gostam de si?

Bem, se calhar também estamos a exagerar. Isto não é a guerra Norte-Sul nos EUA. Fifty talvez seja uma expressão quantitativa demasiadamente valorizada.

Então? São forty?

Não vou quantificar, não é inteligente fazê-lo. É preciso ver o contexto em que os rumores surgem. Porque é que esse rumor não surgiu na RTP? Porque o contexto era diferente. Se essa especulação de animosidade tivesse algum tipo de adesão à realidade, muito mais facilmente tinha surgido na RTP, uma empresa grande, com muitos programas, com muitos jornais e 500 jornalistas. É preciso ser-se inteligente e, quando se diz algo, olhar para esse algo e para a sua circunstância.

Na última entrevista que me deu, José Alberto Carvalho respondeu a este tema com qualquer coisa como “a Judite tem o seu feitio. Eu tenho o meu. Isto é como os casamentos: temos de ter paciência uma o outro”.

Mas é evidente. Nós somos pessoas diferentes, claro. Não há dois seres humanos iguais. Temos uma diferença de dez anos de idade, temos percursos profissionais diferentes, temos uma história profissional diferente para contar aos filhos e netos. Temos olhares circunstancialmente diferentes sobre as coisas que acontecem. Mas é na complementaridade de estilos e de visões que se constrói uma equipa e um projeto e não há problema nenhum em que haja debate de ideias e divergência de opiniões.

José Alberto Carvalho é um bom líder?

É. Tem uma qualidade fundamental que eu não tenho e que nunca irei ter, portanto nunca poderei almejar mais do que aquilo que sou, que é… [pausa] gestão de emoções. Isto é fundamental para uma liderança de primeira linha.

Isso não se aprende?

Mas acha que eu estou com vontade de aprender esse tipo de coisas?

Não sente que ser diretora de Informação lhe faz falta ao currículo?

Não! Nunca tive essa ambição nem nunca terei, porque sei muito bem quais são as minhas valências. Agora, a minha ambição é mais ler um livro de 700 páginas sobre a história de Israel, revisitar livros, filmes, lugares, coisas que me deem prazer. Em termos profissionais, a ideia de poder subjacente à sua pergunta não me atrai.

Mas é legítimo querer ter esse poder. Seria legítimo que a Judite, com uma carreira como a sua, achasse que poderia chegar a diretora de Informação.

Acho que podia ter sido na RTP, onde trabalhei desde os meus 18 anos e durante 32. Nunca fui uma primeira opção a esse nível.

Tem alguma mágoa em relação a isso?

Não, não. Nenhuma mágoa mesmo. Tenho as melhores recordações. Ouça, o que estou a dizer-lhe é que não tenho jeito para isso. Não tenho paciência para reuniões que duram quatro horas, não tenho paciência para estar fechada num gabinete a assinar papéis e faturas, ao telefone com este e aquele. Não tenho jeito, não nasci para isso. Eu nasci para estar numa redação a gerir reportagens.

Nasceu para mandar?

[Risos] Nasci para fazer.

Não nasceu para mandar?

O mandar acontece depois do fazer. Eu tive de fazer muito para poder chegar a uma posição de mandar. Portanto, nasci para fazer e cheguei a um momento em que passei a mandar, continuando a fazer.

Uma última pergunta: já comeu as bolachas que o professor Marcelo lhe deu no verão passado, quando lhe disse que estava muito magrinha [risos]…

É provável que sim. Não me recordo se já comi, porque tenho muitas bolachas guardadas na minha cozinha, mas é provável que tenha comido algumas delas. Gosto imenso de chegar a cada à noite e de comer bolachas com queijo. E é verdade, eu estava muito magrinha. E se é verdade que já estou um bocadinho mais gorda, também é verdade que não me vou permitir engordar muito mais [risos].

O CASO ANA LEAL “MANDA QUEM PODE, OBEDECE QUEM DEVE”

O caso Ana Leal fragilizou-a na redação da TVI?

Claro que sim, seria estúpido da minha parte dizer o contrário.

Fragilizou-a na imagem externa que os espectadores têm de si?

Em relação ao público, não. A reação dos meus pares não me surpreendeu. Há pessoas que aproveitaram para dizer mal de mim, mas que se calhar na RTP também já diziam mal por isto ou aquilo. São porventura as mesmas pessoas que me criticaram por eu ter sido a primeira jornalista “séria” a entrevistar o Tony Carreira. Estou-me absolutamente nas tintas para aquilo que pessoas que estão mais para lá do que para cá possam dizer a meu respeito.

Então, em que medida é que a fragilizou?

Internamente. Desde logo porque constituiu um problema para a empresa que me paga o salário todos os dias e eu não gostei disso.

Sentiu apoio de quem tinha de sentir?

Senti apoio claro e explícito de quem tinha de sentir.

De quem?

Dos administradores e do José Alberto Carvalho.

Sentiu apoio do diretor de Informação?

Nem havia outra forma de ser. Foi feita uma queixa contra mim sem que eu tivesse tido conhecimento dessa queixa, com toda a gente na redação a ter conhecimento dela, e eu a ser confrontada com a existência dessa queixa três semanas depois de ela ter sido feita. Soube que existia uma queixa pelo jornal Público. Isto é muito mau e muito penoso. A pessoa que se queixou de mim não teve a hombridade de me dizer “olha, eu queixei-me de ti”.

Está a falar de Ana Leal?

A Ana Leal queixou-se de mim, não me deu conhecimento de que o tinha feito nem de que queixa era. Durante três semanas vivi na ignorância, sem me poder defender atempadamente e a ser triturada internamente na redação. Isto é revoltante.

Não fez o que a Ana Leal a acusa de ter feito?

Como é que podia ter feito? A reportagem foi para o ar.

No dia seguinte.

E depois? Sabe quantas reportagens caem, por dia, do alinhamento do jornal da TVI? Umas dez.

Porque é que aquela caiu?

Pelas mesmas razões que caem muitas outras e nunca ninguém se queixou.

Não estava suficientemente maturada?

Do meu ponto de vista, era uma reportagem dispensável.

Viu-a?

Eu vejo todas as reportagens. Só as que não estão prontas é que não vejo.

Visiona todas as reportagens antes de irem para o ar?

Quase todas, sim, se estiverem prontas, sobretudo ao fim de semana. E aquela reportagem foi para o ar.

Eu sei, foi no dia seguinte.

Mas foi. Foi para o ar no 25ª Hora.

Há uma diferença…

[Interrompe] Desculpe, Nuno, desculpe, mas não há diferença nenhuma entre ir para o ar no Jornal das 8 ou no 25ª Hora.

Há uma diferença considerável, que é ser vista por um milhão de pessoas ou ser vista por 70 mil.

Sim, mas em relação a isso manda quem pode, obedece quem deve, ou não é verdade? Quantas notícias escreve que não saem no jornal impresso? Saem no online! De que é que estamos a falar? De uma brincadeira de mau gosto, de uma criancice. Foi uma maldadezinha. Valeu o que valeu.

O processo ainda não está encerrado, ou está?

Para mim está encerradíssimo. A Ana Leal é uma excelente jornalista, é um excelente quadro da TVI, tem feito um trabalho muito positivo no que diz respeito à informação sobre o caso do Meco. Acontece que contestou uma decisão de um superior hierárquico, que tem no seu ADN funcional autoridade para decidir em que espaços noticiosos é que as reportagens são emitidas, à semelhança do que acontece com todos os outros diretores de todos os outros órgãos de comunicação social. Onde é que está aqui a história? Não tem história.

Como é que estão as suas relações com ela?

Normais.

E as dela consigo?

[Pausa] Vai ter de perguntar a ela. Trabalho é trabalho, conhaque é conhaque.

Tirou ilações do ponto de vista pessoal sobre Ana Leal?

Ah… Já conheço a Ana Leal há muitos anos, trabalhei com ela na RTP [risos].

O que é que isso quer dizer?

[Pausa] Sabe o que foi pena no meio disto tudo? É não se falar olhos nos olhos, é não se fazer as coisas na cara das pessoas, é telefonar-se para os amiguinhos dos jornais para eles publicarem notícias…

Foi o que aconteceu?

Não sei se foi. Sei que durante semanas e semanas eu abria os jornais e via coisas a meu respeito. Se não era eu que falava delas, é porque alguém falava, e isso é que é penoso e desgastante. E mais penoso é quando a pessoa a quem se está a fazer esta maldadezinha, vem-se a saber meses depois, está a viver a nível pessoal uma situação de grande complexidade. Este processo coincidiu com a minha separação. Eu estava simultaneamente a gerir um problema que me foi criado internamente e, simultaneamente, estava a viver… [pausa] estava a gerir a forma e o modo como me ia divorciar.

O caso Ana Leal acontece em março. A sua separação é tornada público em agosto.

Isso é o tornar público. As pessoas não se divorciam de um dia para o outro. Andam a maturar [risos].

Havia conhecimento na redação da TVI desse seu divórcio?

Não tinha de haver, era só o que me faltava. O Nuno está a perguntar-me como é que eu, Judite Sousa, vivi esse momento, e eu estou a responder-lhe. O que estou a dizer-lhe é que, ao mesmo tempo que estava a ser confrontada com uma queixa, estava a gerir essa questão pessoal delicada.

Acha que este episódio de Ana Leal foi uma espécie de ponta do icebergue para lhe mostrar que não era querida em toda a redação ou acha que foi um episódio circunstancial?

Foi um episódio circunstancial.

A TVI24 “O CABO É O LOCAL MAIS DESAFIANTE PARA TRABALHAR”

A TVI24 fez cinco anos na segunda-feira. Rosa Cullell, CEO da empresa, dizia que tem o objetivo de chegar à liderança e, sem querer comprometer-se com um horizonte temporal, gostava que isso acontecesse durante o próximo ano. Acha isso possível?

Não sei dizer que acho possível porque isso implica dizer-se que o nosso trabalho e o que depende de nós iria sobrepor-se, de uma forma esmagadora, ao mesmo esforço, à mesma determinação e aos mesmos objetivos dos nossos concorrentes.

A concorrência é grande…

É muito grande. O mercado no cabo é muito disperso, ou seja, é significativo, mas estamos muito próximos uns dos outros, sendo que essa proximidade não significa necessariamente tangibilidade. Somos levados a supor que, por estarmos separados por duas décimas, é fácil conseguimos ganhar essas duas décimas. Olhando para o cabo e para as posições equidistantes de cada um dos operadores, a conclusão não pode ser esta. Eu mexo-me, mas os meus concorrentes também. É preciso um investimento constante.

Que tipo de investimento?

Se existir um reforço do trabalho que temos estado a realizar nos últimos três anos.

Implicaria ter mais gente?

Não necessariamente. Quanto a essa questão o meu discurso é mais de gestão, mas já o era na RTP. Hoje, nas empresas, temos de nos mentalizar de que temos de ser capazes de jogar mais cartas do que o habitual. Se calhar, há três ou quatro pessoas que, em vez de fazerem um programa por semana, fazem dois ou três.

Sente que esta maior competitividade produziu melhor informação?

Acho que sim. Tenho uma visão muito positiva sobre o trabalho dos jornalistas.

Hoje temos mais informação, mais hipótese de escolha…

Sim, isso é ótimo, cada qual constrói a sua grelha. Não vejo isto como um problema, mas como um trunfo para o espectador. Temos melhor informação porque temos maior oferta, diversidade ao nível da procura e porque estamos cada vez mais obrigados, pela competição, a fazer melhor. Quando se está a competir não se pode fazer pior do que aquilo que se fazia porque isso é a negação da palavra competir.

Mas rentabilizar um canal informativo não faz que haja horas e horas a fio de informação estéril? Como nos dias em que há um jogo de futebol, em que se começa às duas da tarde com um debate?

As pessoas gostam. Há outra forma de fazer? Não é isso que desencadeia um jogo de futebol em si mesmo? Não é a paixão da palavra? Do debate?

Mais do que a paixão do jogo?

A bola só começa a rolar às sete da tarde ou às oito menos um quarto. Até lá temos a paixão pelo debate, a gestão das expectativas, que materializamos em termos televisivos através de debates que podem durar duas ou três horas num canal de notícias, através de diretos com os adeptos, as claques e comentadores.

Mas isso não é o esvaziamento do jornalismo?

Não há outra forma de o fazer.

Não?

Bem, a alternativa é não tratar isso e meter um filme a correr, o que num canal de notícias não faz sentido.

Não é possível fazer às seis da tarde o lançamento de um jogo que começa às oito da noite? É preciso começar às duas?

Se os concorrentes também estão a fazê-lo…

Mas esqueça isso.

Não posso esquecer isso.

Ainda dá aulas?

Dou.

E o que é que ensina aos seus alunos sobre o valor-notícia?

Não podemos pensar uma transmissão desportiva e o período que a antecede em função da definição académica do valor-notícia.

A definição académica do valor- notícia não é a mesma que a do terreno?

No caso de uma transmissão desportiva ou de um grande jogo de futebol, não…

Mas eu não estou a falar do jogo, mas do folclore das cinco ou seis horas que o antecedem.

Isso faz parte da lógica de cobrir esse acontecimento, que não é passível de ser tratado informativamente de outra forma. A alternativa é desistir dele e desistir é penoso, é má opção.

Sobretudo porque se desistir perde audiências.

Desde logo.

Estamos então num momento em que o valor-audiência se sobrepõe ao valor-notícia.

Não. Pode existir valor-notícia que pode ser consentâneo com o valor-audiência.

Se a placa de um estádio estiver a cair é evidente que sim.

Se os canais de notícias não tivessem estado em direto duas ou três horas antes de começar o Benfica-Sporting, ou do anúncio que iria começar tal jogo, teriam falhado o valor-notícia, que foi o jogo ter sido adiado por causa da telha. Isto para lhe dizer que o seu axioma nem sempre tem adesão à realidade.

Uma notícia que ainda por cima foi dada por um pequeno canal informativo (CMTV), o que é também um novo paradigma. Ou seja, os operadores de cabo informativos desafiaram os generalistas; agora temos os pequenos do cabo a desafiar os grandes do cabo. É um novo desafio?

É, por isso é que as televisões generalistas tiveram de se expandir para o cabo. Foi quando se percebeu que o cabo ia constituir-se como uma vertente fundamental de negócio.

Neste momento, o cabo é o local mais desafiante para um jornalista trabalhar?

Sim, é. Eu tenho sentido a minha experiência no cabo como um grande desafio. Desde logo à minha condição de jornalista e à forma como faço jornalismo, porque eu no cabo tenho uma atitude jornalística diferente da que tenho em sinal aberto. Desse ponto de vista é extraordinariamente desafiante porque temos de encontrar outros registos.

O DIVÓRCIO “O QUE ME ACONTECEU HUMANIZOU-ME AOS OLHOS DOS OUTROS”

2013 foi o seu annus horribilis?

Não [risos]. Nem pense nisso. Sou uma pessoa com uma história de vida longa. O meu annus horribilis está muito mais para trás.

Mas este foi difícil e complicado para a gestão da sua imagem…

E de gestão emocional.

E que se refletiu…

[Interrompe] Na minha degradação física.

E também no seu trabalho. Aquela muito polémica entrevista a Lourenzo Carvalho…

Também foi só essa, que diabo [risos]! Foi esse o único momento. Vamos ver se consigo explicar-me. Annus horribilis é quando algo de muito traumático acontece na nossa vida. Falamos de annushorribilis quando falamos de coisas estruturais, que vão marcar uma pessoa para sempre. É este o meu entendimento. 2013 não foi esse ano. Foi difícil, mas não horribilis. Eu não atribuo ao caso Ana Leal a importância que os media lhe atribuíram. Para mim foi uma maldadezinha que me fizeram e que passou. Em 32 anos da RTP também tive muitos acidentes de percurso. Faz parte da vida de um jornalista que está no ativo, que tem sucesso, que tem audiências, que tem 53 anos e à volta da qual muita gente pergunta: “Como é que é possível? Essa pessoa nunca mais morre, que diabo! Ainda está viva e está sempre a ressuscitar, que chatice.”

Sente que desperta algum tipo de inveja nas pessoas?

[Silêncio] Sou levada a pensar que sim. Mas ainda estou aqui para as curvas. Sabe que, regra geral, a sociedade portuguesa tem uma grande dificuldade em lidar com o sucesso dos outros.

Em 2013 as pessoas olharam muito para si. Sente que a sua passagem da RTP para a TVI alterou a forma como as pessoas olham para si?

O que está a referir são coisas circunstanciais. A entrevista ao Lorenzo foi criticada. Toda a gente quis bater no ceguinho, tudo bem. Eu não estava nos meus dias.

Percebeu isso na altura, que não estava a correr bem?

Claro que sim. Nós somos estúpidos ou quê? Eu não devia ter feito o Jornal naquele dia, só que não havia ninguém que o fizesse. Naquele dia recebi um telefonema anónimo, às seis da tarde, em que me dizem que no dia seguinte sou capa da Flash! com o título “SMS e traições”. Mas alguém está em condições de entrar em estúdio às oito da noite e fazer um jornal?

Sente que o mediatismo do seu divórcio teve algum impacto na sua relação com os espectadores? Ou são coisas dissociáveis uma da outra?

Não são, não. O que me aconteceu a nível pessoal aproximou de mim pessoas que não estavam próximas.

Porque se reviram em si?

Porventura, algumas geraram, ao nível do seu subconsciente [risos], uma lógica de solidariedade feminina. Mas esse ponto, que acho demasiado ligeiro, não foi o meu. Para mim, o ponto é que foi algo que acabou por me humanizar aos olhos dos outros.

Foi isso que ganhou?

Ganhei muita coisa. Ganhei e perdi. Não consigo olhar a vida em função do que se ganha e do que se perde. A vida é muito mais do que isso.

Mas sente que é uma mulher mais forte?

Sinto. Todos nós caímos alguma vez na vida, seja por uma doença, pela morte de alguém querido, por um divórcio, e sempre que tombamos temos duas alternativas: ou ficamos caídos durante muito tempo e provavelmente nunca mais iremos levantar-nos ou então somos capazes de ir buscar forças ao nosso interior mais profundo e levantarmo-nos imediatamente.

Esse renascimento obriga a uma prova de vida?

Claro que sim.

Aquela semana que passou no Algarve, em que aparece em várias revistas de fato de banho a dizer que se sentia bem consigo e com o seu corpo, foi a sua prova de vida?

Não. Foi uma semana que coincidiu a minha primeira semana de mulher divorciada e de férias.

Um divórcio que ainda não era público.

Sabia eu, o meu filho e a minha mãe. Toda a gente sabe que, todos os anos, passo uma semana de férias na Quinta do Lago. Todos os anos sou fotografada de biquíni, de calções, no restaurante, na praia… Acontece que, neste ano, estava sozinha. Portanto, divorciei-me, mas não alterei as minhas rotinas.

Não se escondeu.

Não me escondi nem deixei de ir para a Quinta do Lago. Eu não precisei de estar casada para ir para a Quinta do Lago [risos]. Já ia antes, sempre fui na primeira semana de agosto, e espero, se Deus me der saúde, voltar neste ano. Acontece que me fotografaram na praia e se me puseram nas capas das revistas é porque eu estava minimamente apreciável, não é verdade [risos]? Isso só me apraz [gargalhada].

Sentiu que naquele momento difícil teve ao seu lado todas as pessoas que esperava ter?

[Pausa]. Não, não senti.

Houve pessoas que lhe falharam?

Houve. E houve sobretudo pessoas que eu afastei.

Afastou?

Sim. Não quis que ninguém se aproximasse de mim porque não quis ter de compartilhar as minhas dores. Por isso não posso responsabilizar ninguém. Eu isolei-me.

Sentiu que perdeu o equilíbrio?

Sim, sim. Eu estive muito perto de [pausa]… viver situações muito complicadas do ponto de vista de saúde [pausa]. Mas aguentei-me sozinha. Quando digo que me isolei é porque não sou pessoa de querer partilhar com os outros.

Não vou perguntar-lhe se está de novo aberta ao amor, mas…

[Interrompe] Mas estou, estou. Enquanto estiver viva, estarei aberta ao amor.

Não deixou de acreditar no amor?

Só no dia em que morrer. Enquanto estivermos vivos temos de estar dispostos a vivenciar tudo aquilo que a vida tem de bom e de belo.

Já que me abriu a porta para eu fazer a pergunta, eu pergunto: não o reencontrou ainda?

[Silêncio e gargalhada] A isso já não vou responder-lhe…