Livro de Judite reflete sobre a solidão, a depressão e a incompreensão dos colegas de trabalho

Judite Sousa
Fotografia: Instagram Judite Sousa

Os pedidos de Marcelo Rebelo de Sousa para regressar ao trabalho, o luto, a solidão e a depressão são aspetos que Judite aborda no novo livro ‘Pedaços da Vida’. Um olhar sobre o seu passado, a falta de empatia dos colegas, os episódios profissionais marcantes e sobre a atualidade

Regressou ao trabalho após o luto por alguma pressão dos pares, porque nenhum médico a aconselhou o contrário e até porque Marcelo Rebelo Sousa ligava frequentemente a pedir que o fizesse. Detalhes de um luto da perda do filho André e que agora chegam a público pela voz e pela mão de Judite no livro “Pedaços de Vida”, da editora Arena e que chega esta semana às livrarias.

“Fiz a entrevista [a Cristiano Ronaldo em setembro de 2014] muito fragilizada, mas tentei realizar o meu trabalho o melhor possível. Era ainda muito nova. Estava com 53 anos e ou trabalhava, ou ficaria de baixa médica. Acontece que, na altura, nenhum médico me disse com frontalidade que eu teria de parar um ou dois anos para fazer o luto do meu filho. E foi nestas circunstâncias que regressei ao jornalismo em Setembro. Acrescenta-se a tudo isto o facto de Marcelo Rebelo de Sousa me telefonar frequentemente, pedindo-me para eu voltar. Chegou a definir o dia 15 de Agosto de 2014. Eu respondi-lhe: «Professor, não sei se sou capaz.” O certo é que voltei, mas com o Ronaldo”, conta.

Sairia da televisão tempos depois para regressar um longo interregno depois como rosto da CNN Portugal, função que abandonaria em agosto de 2022, precipitada por acontecimentos profissionais públicos e com contornos também muito pessoais, como aqui fica revelado. “Enquanto estava no ar uma reportagem, ele disse-me: ‘A senhora não me conhece, mas eu era o diretor clínico do Hospital Garcia de Horta, quando o seu filho esteve lá. E fui eu que assinei o comunicado para a imprensa, dizendo que o seu filho estava em morte cerebral. Tive de o fazer, porque mais nenhum outro médico queria assinar o comunicado. E fi-lo por muita insistência dos seus colegas jornalistas.’ E deu-me um nome. Não o vou revelar”, escreve Judite Sousa

Em “Pedaços de Vida”, as críticas estão lá, mas não os nomes. Os que figuram em nome na própria na obra enaltecem a ajuda e o apoio a Judite num longo caminho de luto, tristeza, solidão e depressão. “Quando passamos por experiências traumáticas muito dolorosas, as doenças que normalmente lhes estão associadas empurram-nos para o isolamento e para o silêncio. Uma pessoa que está em sofrimento psicológico não quer falar com ninguém. Isso aconteceu comigo durante muito tempo”, revela a jornalista numa das muitas passagens.

Uma obra onde Judite Sousa olha e perspetiva o seu passado como filha perfilha aos 11 anos, os gostos, os sonhos, o percurso, mas também a sua dor maior – a morte súbita do filho André, revelando ao detalhe todos os minutos desses dias trágicos -, e a incompreensão da classe jornalística. “Foram desencadeadas contra mim campanhas de ódio nas redes sociais por razões que a razão desconhece, em que, de igual modo, a imagem do meu filho foi muito maltratada. Fizeram-se todo o tipo de insinuações sobre os seus comportamentos e hábitos. Um humorista chegou a dizer que eu não podia ler notícias de afogamentos, porque o meu filho tinha morrido afogado. Duas semanas após a morte do André, uma revista fez uma capa cujo título foi: ‘A vida boémia do filho de Judite’.

No livro, “Pedaços de Vida”, Judite Sousa fala de quem a apoiou, o retiro espiritual para pais enlutados, das críticas vorazes de que foi alvo na cobertura dos incêndios em Pedrógão Grande, em 2017, mas não só. “Neste livro, há muita informação sobre a minha história de vida. Alguns irão dizer que se trata de um livro de memórias. Poderão entendê-lo como tal. Para mim, é somente um livro sobre pedaços da minha vida pessoal e profissional e… sobre a Vida, tal como eu a entendo, tal como eu a vivi até hoje. É igualmente um livro que reflete o que penso sobre as várias dimensões da nossa existência em sociedade, nomeadamente à luz das novas realidades comunicacionais e do impacto das redes sociais nas nossas vidas”, esclarece na nota inicial da obra que irá apresentar esta sexta-feira, 20 de janeiro, já no programa da tarde da SIC Júlia.