O cantor Marco Paulo, que morreu esta quinta-feira aos 79 anos, foi o intérprete de êxitos como “Eu tenho dois amores” e “Maravilhoso coração”, e recebeu um Disco de Diamante, por mais de 1,5 milhões de discos vendidos.
O cantor, cuja carreira esteve ligada durante cerca de 34 anos ao produtor musical Mário Martins na discográfica Valentim de Carvalho, construiu um repertório maioritariamente de versões em português, tendo optado por um modelo de atuação no esteio de nomes como Tony de Matos (1924-1989), Rui Mascarenhas (1929-1987) e António Calvário.
“O perfil artístico que desenvolveu gerou controvérsia pela imagem e estilo interpretativo que cultivou, popular”, lê-se na “Enciclopédia da Música em Portugal no Século XX” (2010).
Segundo a sua biografia oficial, “50 Anos a Viver um Sonho” (2017), de Cristiana Rodrigues e Ana Oliveira, Marco Paulo cantou pela primeira vez num casamento, quando tinha pouco mais de 11 anos, tendo interpretado “La Campanera”, do repertório do ‘cantor-menino’ espanhol Joselito.
Marco Paulo é o nome artístico de José Simão da Silva, uma escolha do produtor Mário Martins e do letrista Eduardo Damas (1922-2005), definida quando o seu contrato com a discográfica Valentim de Carvalho ficou firmado, contou à Lusa Mário Martins.
O cantor nasceu em 21 de janeiro de 1945 em Mourão, no distrito de Évora, e mais tarde foi viver com os pais para Alenquer, no distrito de Lisboa, onde fez parte fez parte do rancho folclórico local, a partir de 1958.
Em 1963, fixou-se com a família no Barreiro, na margem sul do rio Tejo, no distrito de Setúbal. Aqui passou a ter aulas de canto com a soprano Corina Freire (1897-1986).
Em 2017, em entrevista à agência Lusa, o cantor recordou “a pessoa que o descobriu”, a fadista Cidália Meireles (1924-1972), que na década de 1940 se celebrizara no trio das Irmãs Meireles. A fadista ouviu-o num ensaio com a cantora lírica, e levou-o ao seu programa na RTP, “Tu cá, tu lá”, em meados de 1965.
“Foi aquele momento, aquela hora, que despontou tudo”, disse Marco Paulo. De imediato seguiram-se as primeiras gravações, as participações no Festival da Figueira da Foz, em 1966, com a canção “Vida, alma e coração”, de Eduardo Damas e Manuel Paião, e no Festival RTP da Canção, em 1967, com “Sou tão feliz”, de António Sousa Freitas e Nóbrega e Sousa. Voltou ao Festival da RTP em 1982, com “É o fim do mundo”, de João Henrique e Fernando Guerra.
O seu disco de estreia, “Não sei”, de 1966, foi uma versão de António José da canção “Vorrei”, dos italianos Sergio Bardotti e Gian Piero Reverberi, gravada pelo francês Alain Barriére, em 1965.
Seguiu-se um disco com Simone de Oliveira, com a qual gravou “Tu e só tu”, uma versão de “Something Stupid” (Carson Parks), gravada em 1966 por Nancy e Frank Sinatra.
Em 2016, quando celebrou 50 anos de carreira, em declarações à Lusa, o intérprete de “Ninguém, ninguém” afirmou que vendeu milhões de discos, gravou mais de 70 álbuns e EP, contabilizando 140 galardões de platina, ouro e prata, e um de diamante.
Marco Paulo argumentou que conhecia o país “como poucos”, pois atuou “em todo [o território], de cidades a vilas e aldeias”, sem esquecer os antigos territórios ultramarinos sob administração portuguesa, e as comunidades portuguesas em França, Alemanha, Estados Unidos, Canadá, Venezuela e África do Sul, entre outros locais.
Uma “carreira imensa” da qual se afirmava grato, reconhecida em 2016 com um Globo de Ouro/SIC-Caras por Mérito e Excelência.
À Lusa, fazendo um balanço de carreira, em que até foi atração de circos, onde cantava “Jesus Cristo”, de Roberto Carlos, a fechar a atuação, Marco Paulo foi perentório: “O público foi fundamental”.
“Quem me fez chegar aqui foi o público, de todas as idades e de todas as condições. Foram eles que compraram os meus discos, que assistiram aos meus concertos”, disse, referindo ter tido “sempre gente muito competente” ao seu lado, de produtores a músicos, compositores e autores.
Entre outros, Marco Paulo trabalhou com António José, Mário Martins, Rosa Lobato de Faria, Joaquim Luís Gomes, Fernando Correia Martins, Jorge Machado, Shegundo Galarza, Luís Filipe e Emanuel, entre músicos, escritores/letristas, produtores.
Marco Paulo representou Portugal em festivais como as Olimpíadas de Atenas, em 1970, com “O homem e o mar”, ano em que também realizou uma digressão pelo Canadá, e no da Organização Ibero-americana de Televisão (OTI), em Miami, nos Estados Unidos, em 1989, com a canção “Rosa morena”.
O cantor apresentou dois programas na RTP, “Eu tenho dois amores” (1994) e “Música no coração” (1996), que adotavam títulos dos seus êxitos, e um na SIC, com Ana Marques, “Alô, Marco”.
Em 2016, Marco Paulo prometia continuar a cantar, enquanto se ‘sentisse bem’ e projetava novos álbuns. “Não estou a pensar terminar daqui a dois anos, ou deixar de cantar. Eu quero continuar a cantar enquanto o público me deseja e eu sinta que o posso fazer. Se me sentir bem e [se sentir] que as pessoas me apoiam, quero continuar a cantar, mas não vou andar aí a arrastar-me. Vou continuar a ir aos sítios onde eu gosto e me sinto bem”.
Em maio de 2022, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, condecorou o cantor com a comenda da Ordem do Infante D. Henrique, e Marco Paulo publicou o seu derradeiro álbum de estúdio, “Por ti”, anunciado pela editora Espacial, que o representou nos últimos anos, com quatro inéditos de José Cid, Elton Ribeiro, Miguel Gameiro e Nelson Canoa, a par de versões de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, e de uma homenagem a Dino Meira.
Em junho desse ano, o artista anunciou que sofria um cancro no pulmão, mas afirmou acreditar que ia ultrapassar a doença.
“A primeira vez, há 18 anos, os médicos viram os meus exames e davam-me três meses de vida. Ainda cá estou, mas sempre em vigilância”, disse o cantor recordando outro episódio oncológico detetado na mama.
“Eu sou muito positivo. Quem já passou por quatro problemas de saúde complicados e vai para o quinto… Tenho a sorte de me rodear de médicos que me permitem tratar-me”.
LUSA