RTP a ferro e fogo. “Não tenho qualquer reação à posição da CT”, diz Daniel Deusdado

Natacha Cardoso/Global Imagens

O diretor de programação da RTP prefere não reagir à exigência de demissão feita esta terça-feira pela Comissão de Trabalhadores (CT) da empresa. Os funcionários falam em “caos interno”. Daniel Deusdado lamenta a tentativa de “assassinato de carácter”.

“Não tenho qualquer reação à posição da Comissão de Trabalhadores, nem tenho de ter”, garantiu esta quarta-feira à N-TV Daniel Deusdado, que desde abril de 2015 lidera a direção de Programação da RTP.

A reação do responsável pelos programas do primeiro canal da televisão pública surge um dia depois de, em comunicado, a CT ter exigido a sua demissão, acrescentando que no operador “se vive um caos interno”, causado por uma “gestão sem controlo, sem rumo e em desespero”.

“Um dos problemas do atual momento da RTP é que a mesma foi tomada, em sectores importantes da gestão, por pessoas habituadas a vender coisas à RTP”, começa por afirmar a CT, esta terça-feira, referindo-se a Nuno Artur Silva, administrador com o pelouro dos conteúdos, e Daniel Deusdado, diretor de programação.

No passado, ambos eram responsáveis, respetivamente, pelas produtoras Produções Fictícias e Farol de Ideias. Quando assumiram a gestão da RTP, em 2015, “saíram da iniciativa privada, e de um sector onde reina a precariedade e falta de regras básicas de comunicação empresarial, e foram colocados numa das mais complexas e difíceis empresas do país, em tarefas muito acima das suas capacidades técnicas”, considera a CT, que indicia que “o atual modelo [da RTP] acabou por desproteger a empresa dos interesses comerciais que giram à sua volta”.

No dia 12, a CT emitiu um comunicado, no qual fala em “conflitos de interesses”, que aumentou a tensão entre os trabalhadores da RTP e a sua administração. Em causa está o facto de, pode ler-se, o operador público manter “há três anos como administrador o proprietário de uma produtora e de um canal concorrente da própria empresa, o Dr. Nuno Artur Silva, dono da empresa Produções Fictícias e do Canal Q.”

Publicado por RTP Comissão dos Trabalhadores em Sexta-feira, 12 de Janeiro de 2018

Nuno Artur Silva terá respondido à CT, alegando “que a lei não o ‘obriga’ a vender as Produções Fictícias desde que a RTP não mantenha com esta produtora quaisquer negócios”, algo que, defendem os trabalhadores, não tem acontecido ao longo dos últimos três anos.

É mentira, diz Daniel Deusdado. Num comunicado interno enviado segunda-feira aos trabalhadores, o diretor de programação é perentório: “É absolutamente claro e verificável que a RTP1 não contratou nenhum conteúdo à empresa Produções Fictícias, desde 2015, altura em que assumi funções de diretor”.

No mesmo comunicado, o diretor sublinha que “o comunicado da Comissão de Trabalhadores (CT) tem na base um erro essencial: as decisões de que é acusado o administrador Nuno Artur Silva, em rigor, são da responsabilidade legítima e última da Direção de Programação da RTP1”. Uma frase que levou a CT a dizer que Deusdado veio “a terreiro para defender o chefe”, pelo facto de a CT ter posto o “dedo na ferida”.

“A intenção da missiva por parte do Sr. Daniel Deusdado é provar que é ele o real decisor dos conteúdos da RTP. Na verdade, nunca existiu confirmação maior de que isso não é assim do que a própria nota e o sinal de fraqueza que a mesma encerra. Quem decide sobre os conteúdos na RTP chama-se Nuno Artur Silva e toda a gente sabe disso”, pode ler-se.

Opinião contratada pelo próprio diretor de programação. “Todas as decisões da Direção de Programação da RTP1 são escrutinadas pelos departamentos envolvidos em cada tipo de conteúdo (ficção, documentário, entretenimento, programas diários, etc.), a que se segue uma avaliação jurídica e finalmente a análise, aprovação estratégica e orçamental do Conselho de Administração”, escreveu no comunicado.

“Daniel Deusdado inaugurou um estilo. Talvez uma era. Esta é a primeira vez na história da RTP que um responsável da empresa se dirige aos seus trabalhadores nestes termos e para este efeito, acabando por confirmar, primeiro que a CT tem razão em tudo o que disse, e segundo que a RTP está sem qualquer rumo ou liderança que se veja”, defende a CT, acrescentando que, “para Daniel Deusdado, não é de fora que vêm todos os males contra a RTP”. “O inimigo, visto da posição onde se encontra, está dentro da RTP. São os que cá estavam antes de ele chegar”, atira.

Publicado por RTP Comissão dos Trabalhadores em Terça-feira, 16 de Janeiro de 2018

Por isso, a CT, que termina o comunicado com um “adeus” ao seu atual diretor de programas, considera que Daniel Deusdado “não tem condições algumas para continuar Director de Programas de uma Instituição como a RTP”.

Indiferente a esta opinião, o diretor de programação do primeiro canal sublinha, no já citado comunicado de segunda-feira, que “seria de lamentar que os trabalhadores da RTP se deixassem intoxicar por uma amálgama de fragmentos de um comunicado que, no essencial, pretende fomentar assassinatos de carácter”.

“Uma organização lúcida não vive condicionada pela sistemática coação do boato, rumo a órgãos de comunicação com agenda própria e intenção de destruir este bem público único como é a RTP”, conclui Deusdado.

A polémica surge numa altura em que o Conselho Geral Independente, o órgão de supervisão e fiscalização interna do cumprimento das obrigações de serviço público, se prepara para nomear uma nova administração, devendo reconduzir nos cargos o presidente Gonçalo Reis e o administrador Nuno Artur Silva.

Para Daniel Deusdado, “tendo com base a falta de rigor, a CT pretende instalar um clima de suspeição sobre supostos conflitos de interesses onde não há nem conflitos nem interesses.”

TEXTO: Nuno Azinheira