Ruy de Carvalho celebra 95 anos: “O segredo da minha resistência? Não pensar na morte”

O maior e mais antigo ator português comemora hoje 95 anos como gosta: em cima do palco, na peça “A Ratoeira”, no Teatro Politeama, em Lisboa. Entrevista minutos antes de subir o pano.

Entrevistar Ruy de Carvalho a dois minutos de se levantar o pano da peça “A Ratoeira” num Teatro Politeama cheio é um desafio, sobretudo quando as cadeiras, as mesas ou os outros adereços do cenário não podem mudar de posição para se realizar a reportagem da N-TV e a repórter fotográfica e a responsável pela captação de vídeo se debatem com a pouca luz.

Mas o decano dos atores portugueses, nascido em Lisboa, a 1 de março de 1927, faz imperar a serenidade. “Ainda temos tempo, meus filhos”. Aos 95 anos, Ruy de Carvalho é um dos protagonistas da peça escrita por Agatha Christie, encenada por Paulo Sousa Costa e com a participação de Daniel Cerca Santos, Elsa Galvão, Filipe Crawford, Henrique Carvalho – neto do ator -, Luís Pacheco, Sara Cecília e Sofia de Portugal. “A Ratoeira” conta a história de um assassino que se encontra entre os hóspedes de uma estalagem, um deles interpretado pelo aniversariante desta noite.

Hoje, dia de aniversário, Ruy de Carvalho vai ser alvo de uma homenagem no Politeama, com os aplausos do público e uma exposição. “Vou, com certeza, ficar muito emocionado. Primeiro, porque vão estar cá muitos amigos para me verem – sou um homem muito feliz nesse aspeto -, e vai ser um dia bonito, sobretudo por estar a representar”, começa por referir.

O ator mostra um fulgor fora do comum e não tem dúvidas quando é desafiado a justificar o segredo para uma resistência nos palcos, nas novelas ou no cinema em mais de nove décadas. “O segredo? Não pensar na morte. A vida é para ser vivida, só morremos na altura em que tiver de ser. Quando vier a morte vem, nós partimos e descansamos”, afirma.

Para estes 95 anos, os desejos de Ruy de Carvalho são muito claros. “Os meus desejos são que o Teatro em Portugal continue a ter êxito como tem estado a acontecer, o público está a voltar a ver espetáculos. É algo que me deixa muito feliz se o público continuar a ajudar-nos a viver”, defende.

Espetador atento a tudo o que se passa na atualidade, o ator não deixa de pedir a palavra para comentar o conflito entre a Rússia e a Ucrânia. “Não quero viver outra guerra mundial. Já vivi uma intensamente e senti outras perto e já não queria viver mais guerra nenhuma. Acho que os homens devem ter é juízo e amarem-se uns aos outros, que foi o que Cristo pediu”, diz, à despedida.

Rui Alberto Pires de Carvalho, mais conhecido por Ruy de Carvalho, tem uma das maiores carreiras que há registo, no teatro, cinema ou televisão. Começou a trabalhar no teatro amador em 1942, no grupo da Mocidade Portuguesa com a peça “O Jogo para o Natal de Cristo”. A estreia profissional aconteceria cinco anos mais tarde, no Teatro Nacional, na comédia “Rapazes de Hoje”.

Ao longo dos anos participou em inúmeras peças, muitas das quais ao lado da amiga Eunice Muñoz, como em “A Casa do Lago”, em 2002, também no Politeama.

Em televisão estreou-se na RTP em 1957, com “Monólogo do Vaqueiro”, e, nos anos 80, notabilizou-se na primeira novela portuguesa – “Vila Faia” -, mais tarde em “Origens” e na série “Gente Fina é Outra Coisa”. A sua mais recente participação em novela foi em “Nazaré”, exibida pela SIC no ano passado.

No cinema, Ruy de Carvalho abraçou a sétima arte em 1951, no filme “Eram 200 Irmãos”.

O ator foi condecorado com a Grã-Cruz da Ordem de Mérito, recebeu a Medalha de Mérito Cultural, o Prémio Carreira e o Prémio Sophia.