Entrevista a Filomena Cautela. “Nunca fui consensual. Esta foi a primeira vez que toda a gente gostou de mim”

“Podemos tê-la todos os anos?”, “a melhor anfitriã deste ano”, “poderia ter feito isto sozinha”. Estes foram alguns dos rasgados elogios à prestação de Filomena Cautela no Festival Eurovisão da Canção. Uma semana depois de ter terminado a aventura de conduzir, ao lado de Daniela Ruah, Catarina Furtado e Sílvia Alberto, o primeiro certame realizado em Portugal, a apresentadora, de 33 anos, confessa-se à N-TV. Garante que não estava à espera do “feedback” que recebeu e olha para o futuro como vê o passado: a querer “continuar a fazer coisas pertinentes e que rasguem a normalidade mais chata”.

ENTREVISTA: Ana Filipe Silveira

Esteve dois meses mergulhada na Eurovisão. Ouviu as músicas concorrentes dezenas de vezes. Sabe-as de cor?
Por acaso, sei (risos). A malta que arrastava os cabos já cantava a ópera [“La Forza”, pela representante da Estónia, Elina Nechayeva].

Os 1700 jornalistas e bloggers acreditados tiveram oportunidade de assistir a vários ensaios e testemunhar a azáfama que se viveu na Altice Arena durante a semana das semifinais e da final. Deixe-me perguntar-lhe: nessa meia dúzia de dias, quantos quilos perdeu?
Quer que diga mesmo?

Quero.
Perdi uns dois ou três, sim. Não sei se foi, de facto, pela atividade física – porque eu andei quilómetros ali dentro, e andei-os de saltos altos… Acho que foi stresse. Foi a ansiedade. Estivemos muito tempo à espera da primeira semifinal [dia 8] e, depois, foi muito tempo de “ai, ai, ai”. Só mesmo quando após a final [dia 12] é que respirei fundo três vezes.

Foi uma tarefa complicada, portanto.
Sabe que as pessoas em casa não perceberam, e ainda bem porque é esse o objetivo, que, durante aquela semana – e tirando todo o mês anterior de preparação -, nós fizemos dois espetáculos nos dias que antecederam cada uma das três finais. E, no próprio dia, fizemos mais um antes da cada gala. Ou seja, foram quatro espetáculos por cada final. Não foi fácil.

Apresentou este evento ao lado de Daniela Ruah, Catarina Furtado e Sílvia Alberto, mas a sua principal missão foi estar no “green room” e conversar com os representantes de cada país. Sentiu que isso lhe permitiu mais liberdade para criar e improvisar do que às suas colegas?
Sim, eu tive mais liberdade. Tinha uma ideia do que queria fazer com cada país, mas como nos ensaios não tinha lá ninguém e falava para os sofás brancos, todo o resto foi improvisado.

Falou com os artistas antes desses momentos?
Tentei, mas a maioria estava nas respetivas delegações e eu não queria chateá-los. Fui sempre falando com um ou outro para lhes dizer o que ia acontecer e perguntar se, por eles, estava tudo bem. O mais engraçado é que, depois da primeira semifinal, os artistas que atuaram na segunda [dia 10] e que viram o que fiz na “green room” já queriam todos fazer imensas coisas. Acho que perceberam que nos estávamos todos a divertir.

Tinha noção de quão “friendly” é a Eurovisão?
É mesmo essa a palavra. É “friendly” em todas os sentidos. A Eurovisão é uma competição e envolve milhões de euros, países e políticas. Mas, sinceramente, acho que isso não tem nada a ver com o espetáculo e com o que se passa naquele palco. O palco da Eurovisão é único por isso mesmo: porque podemos ter Caetano Veloso, cantoras de ópera, cantores de metal, de “nordic folk”, de música ligeira, de música pimbalhona…

“Não metam questões geopolíticas num festival da música que está a festejar a liberdade”

É um palco aberto a todos os gostos musicais?
É um palco cuja audiência tem elasticidade para aceitar tudo com o mesmo sentido de festa. No palco e na plateia, onde as pessoas sentem que podem ser elas próprias. Não estou só a falar de homens que se vestem de mulher, mas de famílias inteiras com bandeiras, pintadas e a cantar de tudo. Pessoas que num momento estavam a dançar ao som de “Toy” [música vencedora por Israel, interpretada por Netta Barzilai] e, dois minutos depois, estavam a curtir “heavy metal” [o tema “Viszlát Nyár”, dos húngaros AWS]. Isso é lindíssimo e uma demonstração de liberdade, de desportivismo, de solidariedade entre países.

Ainda assim, é também palco onde as questões políticas têm uma face, ou não? Veja a questão de Israel.
Isso parece-me tudo muito bem. Cada um tem a sua opinião e deve fazê-la prevalecer. Questões políticas e geopolíticas que estão a acontecer no mundo são muito importantes de se falarem e escrutinarem com os nossos líderes e com quem toma decisões. Agora, não metam isso num festival da música que festeja a liberdade. O bonito da Eurovisão é poder lá estar Israel, sim, e poderem estar, na mesma “green room”, representados países que estão em guerra. Ali está tudo bem. Isso é uma lição para toda a gente. A parte mais bonita, para mim, foi essa.

Foi isso que mais a surpreendeu?
Acho que foi a dimensão do espetáculo. Eu não tinha noção. Não tinha noção da festa. A equipa da EBU que faz a Eurovisão todos os anos estava deliciada com a equipa da RTP. Isto é mesmo verdade. Toda a gente disse que os portugueses fizeram um trabalho incrível. Quem fez Eurovisão sabe que esse é um momento especial das suas vidas.

Não tinha essa noção?
Não fazia ideia. É um evento para 200 milhões de pessoas? É. É o maior evento musical televisivo do mundo? É. E isto é incrível, mas só lá estando é que se percebe que é mais do que isso. Muito mais.

As quatro apresentadoras da primeira Eurovisão lusa ficam com essa impressão digital.
Ainda hoje [sexta-feira] a Catarina [Furtado] nos estava a dizer que parece que todas temos uma tatuagem invisível a dizer “eurobabes”. E temos!

Sente-se orgulhosa do trabalho que foi feito pelas quatro?
Sinto orgulho por termos sobrevivido e ter corrido tão bem (risos). De ter sido tão bem aceite e de os portugueses terem curtido. Na generalidade, as pessoas gostam de dizer mal. Não há mal nenhum. Às vezes, eu também gosto. Nesse sentido, foi uma surpresa. Ninguém encontrou nada de mal para dizer e isso é muito raro.

Houve quem dissesse…
[interrompe] Encontraram umas coisitas, sim, mas nós dificultamos-lhes a tarefa [risos].

“Há pessoas que gostam muito do que eu faço e há pessoas que me odeiam”

Esta Eurovisão foi bastante elogiada pela forma como a RTP conseguiu fazer três espetáculos sem recurso a LED e com um orçamento baixo para a sua dimensão. O primeiro-ministro António Costa falou de ter sido mais uma prova da capacidade portuguesa de organizar grandes eventos, como foi o caso da Expo 98 e do Europeu de futebol em 2004. Isso sentiu-se nos bastidores?
Mesmo a EBU nos disse que foi incomparável a qualquer outra com LED. Nós mostrámos que, com menos, conseguimos fazer muito mais. Infelizmente. Infelizmente, e sublinho o infelizmente, nós, portugueses, temos essa capacidade. Infelizmente, porque foi forçado. Já vimos Eurovisões com LED no chão, nos cenários, em cima, em todo o lado. Nós fizemos espetáculos que impressionaram tanto como esses, mas que trabalharam com o talento das pessoas. Tudo isto que estou a dizer, garanto, acho que é mérito da equipa da RTP encabeçada pelo João Nuno Nogueira [produtor executivo] e pelo Gonçalo Madaíl [membro da direção da RTP e um dos executivos do Festival]. Tendo em conta as dificuldades que os portugueses e a RTP passaram nos últimos anos, foi virtuoso. Foi a prova de que a RTP é a televisão do seu povo e merece toda a dignificação que lhe podemos dar.

Já assistiu a alguma das finais que apresentou?
Não… Há pessoas que andam a fazer vídeos com os melhores momentos e eu vou vendo. Mas faz-se impressão. Não gosto de me ver, o que é um problema. Devia ver-me para me corrigir, mas sofro mais do que acho que ganho, por isso não vejo.

Do quarteto de apresentadoras, foi a mais elogiada. Foi a tal liberdade para improvisar de que já falámos que lhe permitiu mostrar mais da Filomena do que de qualquer uma das outras três, que estavam mais presas a um guião?
Sabe que, durante a semana do Festival, nós saímos da Altice Arena por volta da uma da manhã e às oito já lá estávamos. Eu ia para casa e “desmaiava” a tirar pestanas e lantejoulas e acordava ainda a tirar pestanas. Portanto, não li nem vi nada do que se escreveu ou disse. Tive a noção que as pessoas estavam a curtir a “green room” a seguir à segunda semifinal. Já tínhamos tido ensaios suficientes para perceber que a malta se ria e mandava bocas. Mas o feedback real, esse, só o vi no domingo. Foi muito comovente.

Estava à espera?
No meu caminho em televisão, como apresentadora, eu nunca fui consensual. Há pessoas que gostam muito do que eu faço e há pessoas que me odeiam. E eu acho isso fixe. Sei que a minha postura como cidadã e que aquilo que quero partilhar publicamente não é consensual. Esta foi a primeira vez que toda a gente gostou. Foi estranhíssimo. Comecei a procurar alguém que tivesse dito mal e não descobri, mas acho que daqui a uns dias ainda vão dizer.

Portanto, sente-se orgulhosa da RTP e orgulhosa de si mesma?
Sim, é fixe. Mas eu forcei-me a confortar este sentimento. Forcei-me a curtir. Disse a mim mesma que trabalhei que nem uma maluca durante dois meses e que agora é altura para apreciar isto que se está a passar.

“Todos sabemos qual a receita do sucesso, basta ir ver as audiências

O “5 para a Meia Noite” não parou, mesmo durante esta semana louca que viveu. Que impacto é que esse feedback pode ter no programa?
O que me veio logo à cabeça foi isso, que tinha de trabalhar e aproveitar esta onda para trazer pessoas a ver um programa que, para mim, não tem igual na televisão. Se viraram a atenção para mim, então venham lá ver o que ando a fazer. Gostam? (risos)

Diz que o “5” não tem igual em que sentido?
Nós tratamos a entrevista de uma forma diferente. Nós tentamos dar pancada nas barreiras que existem na caixinha ou na forma que as pessoas acham que se deve falar em televisão.

Isso é serviço público de televisão?
É serviço público dar liberdade para haver esse teste, esse risco, e não ficarmos todos fechados no mesmo espaço a falarmos sempre da mesma maneira. Todos sabemos qual a receita do sucesso, basta ir ver as audiências: novelas, Cristina [Ferreira] e [Manuel Luís] Goucha [de “Você na TV”]. Não há ciência. O que o serviço público de televisão pode fazer e deve ser é essa alternativa. Deve diversificar e arriscar, dentro de algum protocolo, ao mesmo tempo que dá às populações com menos atenção aquilo que elas querem ter, como “O Preço Certo” e o “Agora Nós”.

E as audiências? Nos dois dias das semifinais da Eurovisão, fez o melhor resultado desta temporada, com uma média de 400 mil espectadores, cerca de o dobro das restantes semanas.
Vou confessar uma coisa: eu só comecei a ver audiências quando o programa se tornou semanal [em setembro de 2016]. Mas eu não quero ganhar nada. A minha convicção é que o serviço público de televisão não deve querer ganhar nada. Tem obrigação de existir e de ser o melhor que as suas condições permitirem, de arriscar, de dar alternativas e de confortar um conjunto de populações que estão longe e que só têm TDT. Agora, quero que a equipa que trabalha comigo seja valorizada e sei que, hoje em dia, mesmo no serviço público de televisão, ou as audiências contam ou somos varridos.

A carregar vídeo…

Voltando ao Festival, o que é que ele pode implicar no seu percurso futuro?
Olhe, futuramente… vou ter de certeza muitos mais calos nos pés. Ainda não consegui livrar-me deles. E não estou a ser metafórica [risos]. Quem usa saltos altos muitos dias, como na Eurovisão, sabe que é um tormento acordar de manhã e meter os pés no chão… Agora a sério, não sei. Tudo o que vier, será bem-vindo. Quero, principalmente, continuar a fazer coisas que acho que são pertinentes e que rasguem o que me parece ser a normalidade mais chata. Quero continuar a fazer teatro e televisão. Eu gosto de estar onde estou e acredito na missão de serviço público.

Tal como a Daniela Ruah disse que ia fazer neste caso, também usa a sua formação de atriz para apresentar?
Se não fosse essa formação, eu não seria capaz nem teria coragem de ser apresentadora. Muita gente acha que uma coisa não se pode misturar com a outra, mas eu quero lá saber. Eu construo uma personagem.

Para terminarmos, calculo que, desde que Madonna vive em Portugal, a tenha convidado para ir ao “5”. Depois desta sua prestação, vai ficar à espera que seja ela a oferecer-se?
Agora já não queremos! “Thank you, but no!”. Por acaso, depois da Eurovisão não convidámos. É uma boa ideia. Vou insistir!

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