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Explicava a origem dos vulcões, as guerras e descodificava as notícias, mas “não tratava os miúdos como atrasados mentais”. Era o “Jornalinho”, que se despediu há 30 anos da RTP. António Santos e a restante equipa recordam, em exclusivo à N-TV, o primeiro telejornal para a pequenada, em que era proibida a palavra… criança.

“O programa tinha uma equipa toda ela tão boa, que a até a minha porteira (ou alguém sem experiência) faria do programa um sucesso”. A frase, dita à N-TV, é de António Santos, 72 anos, antigo jornalista, autor e apresentador do “Jornalinho”. E concretiza: “Quem falava de livros era a Natércia Rocha, conselheira cultural da Gulbenkian. Quem escrevia os textos dos bonecos era a Alice Vieira. Quem falava de música era o José Lúcio. A produção da RTP era excelente e os realizadores eram os melhores da casa”, recorda o agora escritor, que depois de ter estado com António Guterres no governo acabaria por sair da televisão pública.

“Nunca dizíamos a palavra criança”,
António Santos

António Santos destaca “o impacto que o programa tinha junto das crianças, que nunca eram tratadas como crianças”. “Nós nunca dizíamos a palavra ‘criança’. Dizíamos: ‘Há uns amigos da escola de Sacavém que pintaram a escola. A Manuela foi fazer a reportagem”.

Carlos Ribeiro, hoje com 66 anos, sublinha que “até ali as crianças eram sempre tratadas na televisão como se fossem atrasadas mentais”. “Nós passámos a tratar as crianças por tu, sendo pedagógicos, acessíveis, fazendo reportagens com linguagem clara, que pudesse ser compreendida por todos”, afirma à N-TV o profissional, com uma longa carreira na rádio e na televisão.

“Trabalhar para um público infantil é mais difícil do que se pensa”,
Manuela de Sousa Rama

Manuela de Sousa Rama, também ela parte integrante da equipa fixa, afina pelo mesmo diapasão. “O jornalista também tem como missão ensinar, explicar, contextualzar. Nós fazíamos isso tudo ali. E, ao contrário do que se possa pensar, era um trabalho difícil. Não é fácil fazer isso para as crianças. Fazer entender acontecimentos, desmistificar papões…”

O antigo rosto da RTP considera “uma honra e um privilégio ter feito parte daquela equipa e de um projeto que teve um impacto tão grande entre o público mais jovem”.

Jorge Passarinho, empresário, e que foi jornalista da RTP durante 14 anos, recorda um dos episódio vividos por ele no programa. “Nós tínhamos dois bonecos em estúdio e um dia levei um boneco ao dentista para fazer uma reportagem. O boneco só tinha dois dentes, combinei com um dentista e levei o boneco ao médico. A ideia era fazer uma reportagem que sensibilizasse as crianças para a importância da higiene oral. A reportagem correu tão bem que, nos dias seguintes, choveram telefonemas na RTP, de pais que queriam saber o nome do dentista porque as crianças queriam ir lá”.

Passarinho acredita que “naquele tempo” os jornalistas do “Jornalinho” “eram uma espécie de pedagogos”, uma ideia corroborada por Carlos Ribeiro que lembra “as enchentes nas escolas” sempre que o programa saía do estúdio. “Os professores viam em nós uns importantes adjuvantes”, recorda António Santos.

“Foi bom enquanto durou. Hoje os tempos são outros”,
Carlos Ribeiro

O “Jornalinho”, que era transmitido ao sábado de manhã, durou quatro temporadas, entre 1984 e 1987, despedindo-se há 30 anos. “Era um programa que se pagava a si próprio e que dava lucro por causa da publicidade e do merchandising. Havia jogos didáticos, fatos de treino e outros acessórios”, recorda.

E hoje, o “Jornalinho” teria o mesmo impacto?

Carlos Ribeiro tem dúvidas. “Os tempos são outros. Foi bom enquanto durou. Os miúdos hoje têm outros interesses, outras formas de procurarem informação”. Manuela de Sousa Rama diz não ter a certeza de que seria o mesmo sucesso, mas que o seu regresso, “adaptado às novas realidades” era “desejável que se tentasse e era perfeitamente possível de fazer”. “É verdade que os miúdos têm tudo à sua disposição, mas veem na televisão muitas coisas que não devem e não sabem coisas que deviam fazer”.

“Acho que um programa daqueles, aliado às novas tecnologias, faria ainda mais sentido, pela sua importância, pela sua contextualização”, opina António Santos, que fechou o capítulo televisivo na sua vida.

Depois do fim do “Jornalinho”, a RTP ainda viria apostar num formato idêntico, dois anos mais tarde: o “Caderno Diário”, entre 1989 e 2002, que teve em Pedro Mourinho, Rita Ferro Rodrigues, ou Sílvia Alves alguns dos seus apresentadores.

Recorde aqui o início de uma das edições.

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TEXTO: Nuno Azinheira