Diz que se comportou “como um miúdo que não quis crescer”, mas não acredita que esteja a viver uma segunda vida. “Estou a viver a mesma vida, mas de uma forma diferente”. Garante que redefiniu prioridades, rodeou-se dos amigos que lhe querem bem e da família, aprendeu a ser grato, afastou-se do álcool e descobriu a magia de ser pai. Em entrevista exclusiva à N-TV, José Carlos Pereira fala de si, da carreira e da importância do mar. Ou não tivesse a conversa sido feita em plena praia…
TEXTO: Nuno Azinheira
E cá estamos nós no verão e na mesma praia onde nos encontramos todos os anos. A Praia do Cabeço tornou-se na sua segunda casa…
Sim, é verdade. Adotei esta praia e fui adotado por esta equipa do Sem Espinhas Natura. Estes meses de verão são um complemento ao meu trabalho. Trabalho em Lisboa na TVI e depois no verão trabalho aqui, o que é muito agradável, porque estou na praia, junto ao mar, que é tão importante para mim. E é fantástico ver este projeto crescer de dia para dia, sempre no conceito definido pelo Fred, um bar de praia com um misto de descontração juvenil e sofisticação para os mais velhos.
Durante muitos anos esta praia era “aquela que estava ao lado da Praia Verde”, a praia da Retur, numa referência ao bairro de habitação mais popular aqui existente. Hoje o Cabeço já está no mapa.
Está. E para o negócio ainda bem que está. Mas de um certo ponto de vista, também deixou de ser aquele cantinho do mundo, isolado de tudo, e o Nuno sabe do que estou a falar porque vem para aqui há muitos anos. Mas acho que, ainda assim, não se perdeu o lado familiar e é isso que é importante.
A sua relação com o Algarve é antiga?
Sim, desde miúdo. Como quase todos os portugueses, habituei-me a passar férias no Algarve, mas não nesta zona. Este lado do Algarve foi um acaso, uma coincidência. Amigos de amigos e, de repente, criei aqui laços de amizade e profissionais, e acabei por me sediar cá durante os verões.
No resto do ano, o trabalho como ator é aquele que as pessoas mais lhe reconhecem. Está a integrar o elenco do “Inspetor Max”, um projeto que voltou à TVI, depois do sucesso que fez em 2004 e 2005.
E está a correr muito bem. Recriar uma série que teve tanto êxito há mais de dez anos, com novas personagens e novos atores era um grande desafio e muito ambicioso. E acho que é um projeto vencedor.
Sem o mesmo impacto do que no passado, reconheça-se.
Sim, mas os tempos são outros. Não tem o mesmo impacto, foi para um horário diferente, muito sujeito à oferta da concorrência, mas temos ganhado em muitos domingos. Ainda não puseram estes novos episódios de manhã, que eu acho que é o horário mais adequado. Mas é um projeto vencedor e a TVI está de parabéns por isso.
E novela, vem aí alguma? Fez uma participação especial na “Única Mulher”, mas não foi escalado para a “A Herdeira”, que já está a ser gravada, nem chamado para “Condição Humana”, que está em pré-produção. Não haverá novidades?
[sorriso] Não sei de nada. Talvez a minha agente possa saber de alguma coisa. Para já, ouvi apenas uns rumores, mas nada mais. Estou expectante no próximo projeto. Não sei se será este ano, se será só no próximo.
Já está com saudades?
Não se trata de ter saudades. Estive muitos anos a ser protagonista, portanto sabe bem esta pausa. Mas ser protagonista é muito prestigiante. Se vier algum, recebê-lo-ei com muito agrado. Mas esta pausa está saber bem. A brincar, a brincar já são 16 anos de representação.
Quando vê os seus primeiros trabalhos?
Acho que houve uma grande evolução. Uma maior maturidade. Houve o saber crescer com tudo o que ser ator nos permite e nos obriga. Houve necessidade de fazer formação e eu fi-la sempre que pude. A técnica é muito importante para trabalharmos sobre aquilo que já é inato em nós. Fiz alguns workshops de corpo, de voz, que eram alguns dos meus pontos fracos. E fiz outros, como por exemplo de improviso e de comédia, e já fiz algumas personagens cómicas que me agradaram muito.
Quando olha para trás, como é que se vê?
[gargalhada] Vejo que me tornei num homem a trabalhar. Comecei um menino, um pré-adulto e tornei-me num homem, um adulto. Já sou pai, portanto, bem se pode ver… [pausa] Aconteceu muita coisa entretanto… Foi uma vida.
Uma vida cheia de peripécias, de tropeções, sempre muito sujeito ao escrutínio da imprensa, sempre muito exposto.
Muito, muito. Umas vezes por responsabilidade minha, outras vezes por se escreverem mentiras.
Como se aprende a lidar com isso?
Há aqueles cinco passos do processo psicológico muito conhecidos [gargalhada]. Primeiro, há a negação, depois a raiva, depois a negociação, depois a depressão e, finalmente, a aceitação. É um processo de aprendizagem e todas as figuras públicas, umas mais do que outras, é certo, têm de aprender a viver com a imprensa. E eu não posso mudar os meios de comunicação social. Não posso modificar a forma como exploram e devassam a vida privada de cada um.
O tempo cria sempre um certo distanciamento. Com o passar dos anos, admite que também facilitou esse trabalho da imprensa, fazendo aquilo a que popularmente se diz “colocar-se a jeito”?
Não tenho dúvida absolutamente nenhuma. Nenhuma. Enquanto figuras públicas, estamos debaixo dos holofotes permanentes da opinião pública. É um escrutínio exacerbado e, às vezes, injusto. É muito fácil apontar o dedo. Quando nos colocamos a jeito, é difícil depois parar.
“TENHO PERFEITA NOÇÃO DE QUE HOUVE ALTURAS EM QUE ME PUS A JEITO. COMPORTEI-ME COMO UM MIÚDO. NÃO QUIS CRESCER, OU NÃO QUIS SABER CRESCER.”
Como é que hoje lida com esses momentos?
Hoje lido muito bem com elas, mas houve outras que tive de lidar juridicamente. Graças a Deus que ganhei. Houve situações muito graves com publicações de outros grupos de comunicação.
Sente que está a viver uma segunda vida? Invocou Deus ainda agora, sente que está a ter uma segunda oportunidade para fazer as coisas certas?
[pausa] Não, estou a viver a mesma vida, mas de uma forma diferente. Mas é a mesma vida. E tenho a certeza, Nuno, que não seria o que sou hoje se não tivesse passado aquela fase ou outras fases.
Mas arrepende-se dessas “outras fases”?
Claro. Não sou nada daqueles tipos que dizem que não se arrependem de nada do que fizeram na vida. Mentira. Eu arrependo-me. E ainda bem que me arrependo de algumas coisas que fiz porque isso me permitiu crescer. Crescer é não repetir os erros. Não gosto nada de utilizar o termo maturidade, mas acho que estou numa fase diferente, mais serena. Redefini prioridades para a minha vida e desenvolvi uma capacidade que não tinha: a gratidão.
É grato a quem?
Sou grato a todos aqueles que me ajudaram. Saber dar valor àquilo que temos.
Teve muita gente que o ajudou nesta caminhada?
[pausa] Tive muita gente presente. Que me ajudou? [nova pausa] Sim, não sou um ingrato. Tenho de ter noção de que tive muita gente preocupada comigo. Os meus amigos e a minha família estiveram sempre presentes e nunca me deixaram cair. Uma vezes com chamadas de atenção, outra vezes com conversas mais sérias, às vezes a fazer as mesmas coisas do que eu [risos], a verdade é essa. Os amigos são para as boas e para as más ocasiões. Os verdadeiros amigos estão lá quando precisamos. E sabem chamar-nos à razão, dizendo coisas que às vezes nós não queremos ouvir ou para as quais não estamos preparados para ouvir.
Teve desilusões nessa fase? Alguns que achava que eram verdadeiros amigos eram só “amigos de copos”?
[pausa] Acho que sempre soube quem eram os meus verdadeiros amigos. São muito poucos, por isso sempre soube. É muito fácil estarmos rodeados de amigos quando estamos em alta. Ter-me-ei desiludido uma ou duas vezes. Sei que sou uma pessoa dada, mas na amizade sou muito seletivo. Sou uma pessoa fácil, empática, simpática, mas ao longo deste processo fui fazendo uma triagem.
Como é que alguém que lidou com um processo de alcoolismo como o José Carlos, que fez reabilitação, lida depois com a noite? E possível continuar a ser “um homem da noite”?
[gargalhada] Um homem da noite é muito bom. Por exemplo, aqui no Sem Espinhas, eu sou embaixador apenas durante o dia. Sou um homem do dia [risos]. Mas respondendo à sua pergunta de uma forma direta, não, não é difícil lidar com a noite. Depende sempre da forma como nós arrumamos a nossa cabeça.
E a sua está bem arrumada, no que diz respeito a esse capítulo?
Está, está muito bem arrumada. Vejo as pessoas a divertirem-se e isso não me faz confusão.
“TEM DE HAVER UM CLICK NA NOSSA CABEÇA. SÓ PODE SER ASSIM. EU NÃO BEBO PORQUE EU NÃO QUERO. TENHO PERFEITA CONSCIÊNCIA DE QUE SE agora bebesse UM COPO DE SANGRIA OU DE GIN, A SEGUIR AO PRIMEIRO VIRia LOGO O SEGUNDO. POR ISSO, NÃO bebo.”
Só assim é possível. Aquelas pessoas podem estar a beber um jarro de sangria [aponta para a mesa do lado]. Eu já bebi, já sei o sabor, não preciso de beber mais, não quero beber mais.
O Salvador tem sete meses. Como está a ser para si a experiência da paternidade?
[sorriso] Uma delícia. Cada dia é um dia novo. É um privilégio e uma descoberta. Hoje de manhã já se pôs de gatas e gatinhou em cima da cama.
Sempre quis ser pai?
Sempre, sempre. Queria muito ser pai, mas a paternidade é uma coisa que só se sente quando se é. É um amor incondicional. Acordar é uma alegria para ir ver o sorriso dele logo de manhã. E estou sempre à pressa para ir para casa para vê-lo ao fim do dia.
E a vida muda mesmo?
Muda, muda. Há uma mudança de perspetiva. Sabemos que a partir deste momento não estamos sozinhos no mundo. Perspetivamos as coisas de forma diferente. Há um amor que está fora do nosso peito. Um amor que não se controla. Tudo o resto, mais ou menos, nós vamos controlando. Isto não controlo. Este amor é maior do que eu. E isso dá-me uma certa humildade, obriga-me a olhar para as coisas de uma outra forma, de um outro prisma.
Ama-se mais um filho do que nos amamos a nós próprios?
Não deveria ser assim, mas se calhar é verdade.
“O AMOR DE UM FILHO É ALGO INEXPLICÁVEL. SIM, POSSO DIZER-LHE QUE AMO MAIS O MEU FILHO DO QUE ME AMO A MIM PRÓPRIO.”
Um filho chega para cumprir esse desejo antigo de ser pai ou quer ter mais?[pausa] Não sei, não sei, não sei. Ainda estou a saborear o prazer de ser pai pela primeira vez. Vou deixar o segundo para outras núpcias. Mas vamos ver. Para já quero curtir o Salvador. Ainda por cima nesta praia maravilhosa.
A praia e o mar são essenciais para si, não são?
São, completamente. Estes meses que passo aqui no Natura são um trabalho abençoado porque são trabalho e férias ao mesmo tempo. Mantenho o bronze, estou perto do mar, que é uma coisa essencial, como disse. A praia é a minha vida, como sabe. Lá em Lisboa moro em Carcavelos, em frente ao mar. E essa proximidade com o mar é vital para o meu equilíbrio.
O que é que o mar lhe dá?
Dá-me energia, serenidade, equilíbrio e dá-me um bocadinho de tempo que eu todos os dias preciso para mim.
É uma pessoa que precisa de ter o seu espaço?
Muito, muito. Sou uma pessoa muito ciosa do meu espaço. Às vezes, as outras pessoas não percebem isso, mas necessito desse espaço. As pessoas que me conhecem sabem disso. Quando estou com terceiros e não me sinto bem e preciso do meu espaço, saio, não devo nada a ninguém. Ninguém me paga as contas, como eu costumo dizer. Toda a gente precisa de um bocadinho para si. Há quem faça ioga, há quem faça ginásio, há quem faça surf. Eu faço todos. Tenho de me mimar.
Por falar em mimar, a TVI tem tido um papel importante na sua vida.
Sim, sem dúvida. Há 16 ou 17 anos também. É a minha casa. Tenho uma relação muito próxima e familiar. Foi lá que comecei, foi lá que cresci, foi lá que passei alguns dos momentos mais difíceis e também dos dias mais felizes.
Naquele momento particular, a conferência de imprensa antes de entrar em tratamento, a TVI esteve lá ao seu lado. Na altura, a Júlia Pinheiro e o André Cerqueira. Que importância teve esse momento?
Imensa. É um sinal de que tenho a minha entidade patronal ao meu lado. Isso é uma coisa de que nunca esquecerei. Eu estava no meio de um projeto, tive de abandonar o projeto, tinha de se dar uma justificação pública e a TVI não me deixou cair. E isso nunca esquecerei. Chama-se a isso gratidão. Não me esqueço.
E o seu curso de medicina, quase tão famoso como a sua carreira, está esquecido?
[gargalhada] Não está nada esquecido. Falta uma cadeira.
Está a ser um parto difícil. Há muito que o ouvimos dizer que o curso é para terminar…
E é. E repare que quando comecei a falar disso estava no primeiro ano, e agora já cheguei ao sexto.
O que falta?
Cirurgia. É um estágio prático. A parte teórica já fiz. Mas é um cadeirão, claro. Mas será concluído. Este ano letivo que vem aí vai ter de ser.
Os seus colegas de curso acreditam nisso?
[risos] Eles já ouvem isso há muito tempo também. Mas reagem bem. Sempre fui bem tratado no hospital. Eles sabem que eu vou conseguir.
José Carlos, sei que não gosta e não quer falar da sua vida íntima. Enfim, da privada temos falado, mas da íntima sei que não gosta de falar.
Não, não gosto. O meu hábito é nunca falar da minha vida privada. Como lhe disse há pouco, a minha vida tem sido muito exposta publicamente nos últimos anos, em muitos casos por responsabilidade minha, e por isso decidi resguardar-me e não falar da minha vida privada.
Ainda assim, vou ter de lhe fazer a pergunta que quero fazer.
[gargalhada] E que eu não vou responder.
Mas eu faço à mesma. Saíram recentemente fotos suas com a mãe do seu filho, a Liliana Aguiar, que mostram que estão juntos de novo. O José Carlos ainda não falou disso. Estamos aqui a conversar e a Liliana está ali, o Salvador está ali, chegaram juntos. É natural que lhe pergunte: estão juntos de novo?
[pausa] Pois, essa é aquela pergunta que todos me têm feito e que eu não respondo. Mas, sim, à N-TV, posso confirmar que sim, estamos juntos e estamos bem. Estamos numa fase boa. Não vou desenvolver mais do que isto. O que o Nuno vê fala por si. Estamos numa boa fase.